A “cesta” de compras do brasileiro está mais tecnológica e prática. As mudanças nos hábitos de consumo foram identificadas pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018 do IBGE e desde janeiro estão incorporadas no cálculo da inflação. Entre os grandes grupos, o gasto com alimentação caiu, ao passo que transportes e comunicação pesam ainda mais no bolso.
A inflação oficial, que é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), leva em conta agora o comportamento de 377 subitens, contra 383 até o ano passado, resultado da inclusão de 58 subitens e da exclusão de 64. Na lista anterior, havia produtos que já há muitos anos deixaram de ser largamente consumidos, como mosquiteiro, aparelho de DVD, telefone público e fotocópia.
Por outro lado, o IBGE passou a levar em conta os gastos das famílias com o transporte por aplicativo – Uber, 99 e Cabify, entre outros. Outra novidade é a inclusão dos gastos com serviços de streaming, como a Netflix.
LISTA COMPLETA: O que entrou no cálculo da inflação. E o que saiu
Também houve mudanças no peso regional para composição dos índices de preços, o que reflete a renda das famílias entre as 16 capitais pesquisadas. Das 16 capitais ou regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE, dez conquistaram mais participação, e outras seis perderam. São Paulo chegou a 32,3%, alta de 1,65 ponto porcentual. O Rio de Janeiro, que desde os Jogos Olímpicos de 2016 está imerso em uma crise fiscal, perdeu o segundo lugar para Belo Horizonte.
Eliminar ou acrescentar produtos ou serviços na cesta que compõe a inflação é um trabalho complexo e demorado. Ao mesmo tempo, fundamental, já que a atualização reflete melhor os gastos das famílias, os quais vão definir a taxa de inflação, a qual é usada como indexador de títulos públicos e salários.
Para a atualização mais recente, o trabalho teve início com a POF 2017-2018, realizada pela Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE. O pesquisador vai até um certo número de residências e coleta uma série de dados sobre os hábitos e gastos da população. A Gerência de Índices de Preços ao Consumidor, de posse desses dados, faz uma série de ponderações e cálculos para chegar à lista dos produtos mais utilizados e quanto cada um pesa no bolso do brasileiro.
“Por exemplo, as famílias dizem quanto gastaram com arroz, com feijão. A gente avalia o somatório do total de despesas em relação ao total de despesas das famílias. Então vemos que as famílias gastaram 1% de seu rendimento disponível com o arroz, então o arroz vai ter 1% de peso no índice de inflação”, diz Pedro Kislanov, gerente de Índices de Preços ao Consumidor. Nem tudo que é consumido compõe a cesta: é preciso ter representatividade de pelo menos 0,07% nas despesas totais das famílias. No caso do IPCA, são considerados os gastos das famílias com renda entre 1 e 40 salários mínimos.
Alguns subitens que não chegam a esse percentual também podem entrar, para completar a cobertura de determinado item, explica Kislanov. “A ideia é o seguinte: no item cereais, leguminosas e oleaginosas, há uma série de componentes: arroz, feijão carioca, feijão preto, mulatinho, e por aí vai. Vamos supor que o arroz e o feijão carioca completem 65% das despesas desse item. A gente precisa ter cobertura de 70%. Então passamos para o próximo item, desde que ele tenha entre 0,01 e 0,07% das despesas das famílias. Vai entrar para compor os 70% e a gente garantir a representatividade”, explica.
O detalhamento da cesta mostra alguns hábitos de consumo mais saudáveis, como a queda na representatividade do açúcar refinado e do cristal, ao mesmo tempo em que o demerara entrou na lista. Entretanto, o grupo de alimentos perdeu o primeiro lugar nas despesas de famílias que recebem de 1 a 40 salários mínimos – sua participação na cesta caiu de 24,6% para 19,3%.
Entre os alimentos que não são mais contabilizados na cesta do IPCA estão o chá e amido de milho. “Se saiu é porque não atendeu aos critérios que a gente usa. Na verdade, as cestas são definidas regionalmente. Se tiver relevância em alguma área [capital], vai entrar na estrutura do Brasil, mesmo que com peso diluído”, conta o gerente do IBGE. Ele orienta aos cidadãos buscarem informações da cidade onde moram ou da mais próxima, por refletir melhor os hábitos de consumo.
Apesar das mudanças, não houve grande alteração no peso dos grandes itens, e por isso o histórico da inflação permanece o mesmo, com possibilidade de comparação desde o início da série histórica, em 1990.
As limitações no cálculo da infação
O economista Sandro Silva, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), destaca que o cálculo da inflação é muito complexo e tem limitações. “As mudanças estão cada vez mais rápidas, e para o cálculo da inflação é preciso aguardar a POF, que é uma pesquisa cara. Além disso, é feita também uma pesquisa de local de compra [PLC], para saber onde as pessoas compram os produtos e na hora da inflação fazer a ponderação sobre os preços levantados. Por isso é um processo demorado, para fazer a pesquisa, para acompanhar o consumo e depois para processar as informações”, avalia.
Pedro Kislanov, do IBGE, também destaca outra limitação: o índice de inflação oficial pode ficar distante da realidade dos indivíduos, pois ela reflete a variação média das cestas regionais. E as cestas regionais são uma média do que é consumido pela população em geral. “Mas cada pessoa tem sua própria cesta. Por exemplo: um idoso provavelmente vai ter um peso maior de produtos farmacêuticos e plano de saúde no seu orçamento do que uma pessoa mais jovem. Para uma pessoa que tem carro, o item veículo próprio vai ter um peso significativo, ao contrário do que ocorre com quem usa transporte público”, pondera.
Quem mora nas 16 capitais onde é feita a pesquisa da inflação do IBGE pode verificar a inflação dos itens que consome efetivamente. “No Sidra, que é uma plataforma do IBGE que tem vários dados para consulta, você consegue selecionar só aqueles itens que você quer consultar. Pode marcar as caixinhas dos subitens dos produtos que efetivamente consome”, orienta o gerente do IBGE. Ele destaca o papel que o IPCA tem no aspecto macroeconômico, mas ressalta que o índice pode ser uma referência importante para o consumidor avaliar o custo de vida de cada família.
Inflação é diferente de patamar de preço
Em janeiro, o IPCA ficou em 0,21%, menor inflação para o mês desde o início da série histórica, em 1990. Esse número, porém, retrata uma situação pontual. A inflação acumulada em 2019 foi de 4,31%, a maior dos últimos três anos, impactada principalmente pelo comportamento do preço da carne: o crescimento das exportações para a China reduziu a oferta interna e a alta do produto nas prateleiras do Brasil chegou a 18%. Em janeiro, o item recuou 4%.
“As pessoas confundem muito o nível de preço com a inflação. A gente teve uma alta da gasolina superior a 3% em dezembro, e ela tem um impacto grande no índice. E agora a gente teve uma alta de 0,89% na comparação de janeiro com dezembro. Ou seja, o preço já tinha subido 3% em dezembro, e agora subiu mais 0,89%. O patamar vai continuar alto, mas a inflação do mês não vai ser tão alta assim”, explica Pedro Kislanov, do IBGE.
Curiosidades
Brasileiro gasta mais em bem-estar e comunicação:
- O cálculo da inflação a partir de janeiro de 2020 leva em conta os gastos levantados pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017-2018, substituindo a mudança anterior que havia sido implantada em 2012, com base na POF anterior, de 2008-2009.
- Dentro do grupo Despesas pessoais, os serviços de barbeiro, que tinham sido cortados anteriormente, voltaram a figurar no cálculo da inflação, junto com cabeleireiro (peso de 1,08%). Também entraram novos serviços relacionados à estética, como depilação (0,05%) e sobrancelha (0,11%).
- Ainda nesse grupo, é possível ver a importância dos pets para as famílias brasileiras: o item tratamento de animais (que antes tinha peso de 0,22%) foi desdobrado agora em tratamento clínico (peso de 0,3%) e serviços de higiene (0,14%). Além disso, a participação das despesas com alimentação dos bichinhos passou de 0,26% para 0,34%.
- No grupo Educação, a maioria dos cursos regulares aumentou a participação nos orçamentos familiares, com exceção do ensino médio, com uma leve queda (0,40% para 0,37%). O ensino fundamental teve o maior crescimento (de 0,84% para 1,48%). Também foi destaque a alta de atividades físicas, dentro do subitem cursos diversos: dobrou a participação, de 0,19% para 0,40%.
- Os serviços de streaming, liderados pela Netflix, estrearam no cálculo da inflação com participação de 0,07% dos orçamentos familiares, dentro do grupo Comunicação. Este grupo passou o do Vestuário e se aproximou do grupo Educação, também pela representatividade de itens e serviços tecnológicos – o aparelho telefônico, que antes representava só 0,12% do gasto do brasileiro, agora come 1% da renda.
- O gasto com produtos infantis também aumentou. O peso da fralda descartável nos orçamentos familiares passou de 0,05% para 0,22%. Situações assim podem indicar que que um número maior de pessoas está consumindo o produto ou então que o preço do produto subiu muito.
Inflação deve ser de 3,5% em 2020
O mais recente boletim Focus do Banco Central (10/02), que leva em conta as projeções do mercado para a economia, estima que a inflação em 2020 deve ficar em 3,5%, abaixo do registrado em 2019 e dentro da meta (4%) definida pelo Conselho Monetário Nacional.
Para atingir a meta, o Banco Central pode elevar ou baixar a taxa básica de juros (Selic). Entretanto, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada em 13 de fevereiro indicou que é necessária “cautela” na condução da política monetária e indicou que o período de afrouxamento dos juros pode ter chegado ao fim. Em janeiro, o Copom reduziu a Selic para 4,25% ao ano, o menor valor da série histórica.
A cautela do Copom é baseada na economia mundial, que será influenciada pela paralisação da atividade produtiva na China em função do coronavírus: "Eventual prolongamento ou intensificação do surto implicaria uma desaceleração adicional do crescimento global, com impactos sobre os preços das commodities e de importantes ativos financeiros”.
No mercado interno, o Copom anotou que há dicotomia entre o mercado de trabalho e a produção industrial. "Enquanto o mercado de trabalho segue em recuperação gradual, os dados recentes de produção industrial e os indicadores preliminares de investimento tiveram desempenho abaixo do esperado", diz a ata.
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