A ministra Zélia Cardoso de Mello, na confusa entrevista em que anunciou o Plano Collor: maior choque da história da economia nacional| Foto: Protasio Nene/AE

Eleições de 1989

Bloqueio foi discutido por equipe de Lula

O mesmo trabalho acadêmico que serviu de base ao Plano Collor foi discutido pela equipe do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva em 1989 – e é correto afirmar que a proposta poderia ter sido adotada ainda que Fernando Collor tivesse perdido a eleição. É o que afirma o professor da Unicamp Carlos Eduardo Carvalho, autor de uma tese de doutorado sobre o plano. Credibilidade não lhe falta: ele era o coordenador do programa de governo de Lula naquele ano.

Em vários artigos, Carvalho conta que a ideia do "bloqueio de liquidez" estava presente no texto "Crise e reforma monetária no Brasil", dos economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Júlio Gomes de Almeida. Inicialmente, essa proposta circulou na equipe de Ulysses Guimarães, candidato derrotado no primeiro turno. Logo depois, foi levada pelo economista Antônio Kandir à assessoria econômica de Lula. E, em 16 de março de 1990, o mesmo Kandir estava na coletiva de anúncio do Plano Collor, ao lado de Zélia Cardoso de Mello, como membro de sua equipe.

Em sua tese, Carvalho defende que o plano não falhou na sua execução, e sim por ser "inaplicável". Segundo ele, seria impossível reter recursos por tanto tempo sem paralisar o sistema de pagamentos e gerar uma grave crise bancária. (FJ)

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Veja os resultados do Plano Collor
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Economistas podem até se referir a ela usando termos como "empréstimo compulsório", "enxugamento monetário" e "bloqueio de liquidez". Mas, para a maioria dos brasileiros, a medida anunciada em 16 de março de 1990, um dia após a posse do presidente Fernando Collor, será sempre lembrada como "o confisco da poupança". O bloqueio temporário das aplicações financeiras – que atingiu também contas correntes, investimentos em renda fixa e outros – completa 20 anos depois de amanhã, e provavelmente continuará sendo, por muitas décadas, a mais desastrada tentativa brasileira de derrotar a inflação. "Depois do Plano Collor, as pessoas passaram a ter mais medo dos pacotes anti-inflacionários do que da própria inflação", resume o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco.

A estratégia concebida pela equipe da ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, minou a credibilidade das aplicações financeiras. A breve recessão esperada pelo governo transformou-se numa queda de 4,35% do Produto Interno Bruto (PIB), a mais violenta do país no século 20. E nem assim os preços se estabilizaram. A inflação, que naquele março atingiu o recorde histórico de 82,4%, recuou para 7,5% em maio, mas logo depois voltou aos dois dígitos.

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"Meu pai tinha recém-comprado um apartamento na planta. O dinheiro para pagar boa parte das prestações estava na poupança, e ficou bloqueado. Hoje ele não quer nem ouvir falar no assunto", conta o consultor financeiro Raphael Cordeiro. Para o advogado e bancário aposentado Wilson Mugnaini, o trauma foi outro. "A poupança era quase sagrada. Por isso, naquela época confusa, antes da posse do Collor, resolvi abrir cadernetas para mim e para meus três filhos. E, na condição de gerente do Banestado, orientei muitos clientes a fazerem o mesmo. Imagine como me senti quando elas foram bloqueadas."

O objetivo central do plano era, assumidamente, travar a atividade econômica, ao menos por um tempo. Com o povo sem dinheiro para gastar, os preços parariam de subir e, em seguida, a economia se estabilizaria. "Na essência, um absurdo jurídico e econômico", diz Gustavo Franco, um dos formuladores do Real – plano que, em 1994, derrotaria a inflação.

Muitos economistas, no entanto, avaliam que o bloqueio fazia sentido naquela época. "A inflação se autoalimentava, porque praticamente tudo era indexado, tinha correção monetária. Isso vinha de muitos anos, e todos os pacotes tinham falhado. Hoje, a ideia do bloqueio parece exótica, mas, para vencer aquela inércia inflacionária, era preciso uma pancada muito forte", avalia Luiz Afonso Cerqueira, do conselho consultivo do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef-PR).

O caos econômico não se resumia à hiperinflação. O país estava em moratória, sem acesso a crédito externo, e suas reservas cambiais eram de quase zero. "Algo muito drástico tinha que ser feito", defende Eustáquio Reis, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). "E o plano foi muito bem arquitetado em sua tentativa de barrar a liquidez do sistema econômico, então absolutamente descontrolada."

Se o plano era tão bom, o que falhou? A execução, respondem os economistas. "Os bancos ficaram absolutamente travados, e o Banco Central teve de socorrê-los, liberando crédito. E os bancos passaram a refinanciar clientes que tiveram dinheiro bloqueado, de certa forma liberando recursos que deveriam estar esterilizados", diz Cerqueira.

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Reis acrescenta as chamadas "torneirinhas", canais por onde o dinheiro represado vazou. "Aposentados, pessoas com problemas de saúde e outras conseguiram o direito a sacar o dinheiro bloqueado. Estados e municípios foram autorizados a receber impostos por meio de transferências desse dinheiro. Sem contar a indústria de pequenas fraudes, em que pessoas e empresas repassavam direitos de saque umas às outras. Na prática o bloqueio acabou sendo muito menor que o planejado, limitando o cerco à inflação."

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