A um mês das festas de fim de ano, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) se reúne hoje às pressas com os principais representantes do setor em iniciativa que especialistas em aviação consideram positiva, porém tardia. No quadro que pode levar a mais filas e atrasos nos aeroportos brasileiros, falta coordenação entre o Estado e as empresas, infraestrutura, mão de obra, e sobram pressões mercadológicas das companhias aéreas, opinam.
No encontro deve ser apresentado um plano de ação desenvolvido pela agência e pelas empresas, em conjunto. As medidas teriam validade de meados de dezembro até 10 de janeiro, e envolverá os principais aeroportos do país. Segundo informações preliminares, as empresas colocarão aviões-reservas em alguns aeroportos, para atender a situações de emergência. A TAM, por exemplo, terá cinco aeronaves disponíveis para voos de curta e média distância, e outras três a postos para viagens internacionais. A companhia selecionou ainda terminais alternativos para desviar tráfego Curitiba, Ribeirão Preto, Campinas, Confins e Galeão. O objetivo é evitar a formação de gargalos que levem a atrasos em cadeia por todo o país.
Exercício
"Esta reunião tem um supermérito como exercício, mas revela uma visão de curto prazo. Estão mirando o mês que vem, e não os próximos 18 ou 60 meses. O que era para ser feito de forma estratégica, estrutural, é feito como se fosse para apagar um incêndio", diz o professor do MBA em logística da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marcio Nobre Migon.
Uma Anac mais atuante na área fiscalizadora, com multas e punições para atrasos e cancelamentos é uma das urgências do setor para outro especialista do setor. "A aviação brasileira vai crescer enormemente e precisa ser reordenada. Isso passa por um esforço de planejamento e articulação com as companhias aéreas, mas sem ceder aos interesses do mercado. Este é um setor muito sujeito a abusos, e a reunião é oportuna para colocar as coisas nos eixos", diz o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Marco Aurélio Cabral.
Estudo da consultoria Lafis mostra que o número de passageiros em voos aéreos nacionais e internacionais deve subir 32% neste ano em comparação a 2009. A consultoria projeta um cenário de atrasos em voos pelo menos até 2012. "A classe emergente intensificou o problema; mas, mesmo sem ela, já haveria uma probabilidade grande de atrasos nos voos, por causa do desenvolvimento natural do setor", explicou o analista Jonas Okawara, da Lafis.
Voos extras
Uma das questões que, segundo o ministro da Defesa, Nelson Jobim, será discutida na reunião é a venda excessiva de passagens. Foram vendidas milhares de passagens para voos extras ainda não autorizados, num compromisso das companhias que pode não ser cumprido. Outro problema grave é a escassez de mão de obra especializada, com companhias excedendo o limite de horas de voos permitido para pilotos e copilotos.
Além da Anac, estarão presentes no encontro de hoje representantes do Ministério da Defesa, da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), presidentes das principais companhias aéreas, Polícia Federal, Receita Federal e Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea).
Apesar de a reunião ter sido convocada às pressas, Jobim assegurou na sexta-feira que o sistema aéreo está sob controle e disse não haver preocupações para a Copa do Mundo em 2014. Ele também lembrou que, no ano passado, a imprensa noticiou análises de especialistas prevendo caos aéreo durante o período de eleições e Páscoa, mas "não houve loucura nenhuma, problema nenhum". "Não tem perigo, está tudo sob controle", afirmou.
Perda de qualidade
Mas atrasos, filas e cancelamentos de voos são esperados por especialistas. Okawara, da Lafis, disse ser preocupante o cenário atual, especialmente com a proximidade da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada em 2016. "Esse é um problema cuja solução passa não só pela esfera econômica, mas também pela esfera política", disse. "A regulação por parte da Anac deveria ser melhorada, com poder maior de controle sobre a oferta e sobre a demanda por voos", acrescentou.
Para Cabral, esta não é uma discussão de instabilidade do setor, e sim sobre qualidade."Não diria que vamos ter um 'caos', mas sim uma perda de qualidade mais acentuada. Mas essa perda de qualidade já está acontecendo, está bem aquém do que mereceríamos. Precisamos acreditar menos na concorrência das empresas", disse.