Olhe ao redor. As estatísticas mostram que quatro em cada cinco pessoas à sua volta na rua, no trabalho ou no clube têm dificuldades para chegar ao fim do mês com o orçamento disponível. Os dados são da Pesquisa de Orçamentos Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e servem como amostra de um fenômeno bem mais amplo: uma combinação de fatores que inclui juros altos e uma má distribuição de renda, entre outros, está transformando o Brasil em um país de endividados.
Segundo o último levantamento do Banco Central, o volume total de crédito para pessoas físicas em junho chegou a R$ 214,2 bilhões incluindo aí empréstimos bancários, financiamentos, dívidas de cartão de crédito e cheque especial. Uma bolada que equivale a R$ 1.146 para cada brasileiro. Esse valor inclui tanto as dívidas que estão sob controle quanto aqueles papagaios que enchem de dores de cabeça os seus donos, carimbados como inadimplentes. O valor cresce sem parar nos últimos 12 meses, elevou-se em 30% (ver quadro da pág. 2). E, na prática, o montante pode ser bem maior, porque é possível obter recursos ainda de instituições não-financeiras (como o imóvel financiado direto pela construtora), de organizações não-governamentais, factorings e até dos temidos agiotas. Nada disso aparece na estatística.
São pessoas como a dona de casa Vera Lúcia Bartz, que hoje luta para manter as contas em dia. No ano passado ela passou seis meses estudando na Itália. Antes da viagem, encheu a mala de roupas e sapatos novos para enfrentar o inverno europeu. Na volta, foi recebida por uma pilha de contas vencidas. "Estava devendo mais de R$ 1,5 mil. Meu pai havia falecido e as prestações da casa da minha mãe estavam atrasadas. Para a Caixa, devia mais de R$ 8 mil."
Sem trabalho fixo e contando com a ajuda da mãe, Vera Lúcia saiu à procura dos credores. "Coloquei todas as dívidas no papel e fui negociar pessoalmente cada uma", lembra. "Fiz um empréstimo consignado porque o juro é menor. Estarei com essa dívida por mais 3 anos, mas pelo menos limpei meu nome." Os débitos com as lojas de departamento já estão quitados. "Parcelei as dívidas, mas por causa dos juros paguei quase três vezes o que devia. Já quebrei o cartão, não quero mais saber dele."
Comparando com outros países, os débitos de Vera talvez nem sejam tão assustadores. Afinal, os europeus devem em média 1.246 euros (R$ 3.488) por pessoa em empréstimos pessoais, mais 6.670 euros (R$ 18.670) cada em financiamentos habitacionais. Nos Estados Unidos, só o crédito ao consumidor soma US$ 2,17 trilhões, ou R$ 9,3 mil por habitante. O problema é que a renda per capita aqui é bem mais baixa: US$ 8,4 mil, contra US$ 28,1 mil na Europa e R$ 42 mil nos Estados Unidos. E há os altos juros brasileiros, que perdem somen-te para a Turquia no ranking mundial.
Juntando tudo isso, a combinação tende a ser mortal, inclusive porque o brasileiro do enorme grupo classificado como de baixa renda tem uma lista de bens ou serviços que não pôde contratar simplesmente porque não tinha dinheiro, o que especialistas chamam de "demanda reprimida".
"Nós temos uma forte propensão a consumir e uma baixa inclinação para a poupança", observa o professor Judas Tadeu Grassi Mendes, diretor do Estação Business School. "Mas isso não significa que consumimos demais. O nosso padrão de consumo no melhor dia de compras, nas vésperas do Natal, é inferior a qualquer data considerada ruim para o comércio dos Estados Unidos."
Para o professor, o problema não é que o brasileiro gaste demais. Na verdade, o salário é que é baixo. Nessas condições, só a compra parcelada permite ao cidadão comprar os produtos de que precisa e aqueles a que aspira. "Se não houvesse a venda a crédito, a recessão seria absurda. As empresas não teriam a quem vender", opina.
Há ainda razões históricas para as dívidas. E a culpa, nesse caso, é da geração que sofreu com a inflação alta dos anos 60 até meados da década passada, e que guardou hábitos que não combinam com preços estáveis. "Na época de inflação alta, gastar era uma forma de se proteger", resume o professor Jurandir Sell de Macedo, doutor em Finanças Comportamentais e professor da Universidade Federal de Santa Catarina.
Velhos vícios são os mais difíceis de largar. O Brasil transformou-se na "Terra dos Papagaios" em um movimento coletivo, lento. Mas o esforço para transformar a nação de endividados em um país de investidores é individual. Começa por colocar as contas em dia. Algumas dicas para isso estão nas reportagens das próximas páginas.
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