É um formidável embate tecnológico: Amazon.com versus Apple, disputando os corações e mentes de editores, escritores e leitores. O dispositivo de leitura Kindle e a livraria virtual da Amazon dominam um mercado ainda incipiente, mas de crescimento explosivo. As iniciativas da Amazon.com respondem por 70% das vendas de e-readers e 80% do mercado de livros eletrônicos, de acordo com alguns analistas. Na quinta-feira, a empresa anunciou que iria abrir o Kindle para desenvolvedores de software foi esse justamente o pulo do gato da Apple, ao permitir que terceiros criassem aplicativos para o iPhone.Pelo lado da Apple, esta é uma semana de expectativa. Espera-se para a quarta-feira o anúncio do novo tablet da empresa. Deve ser um equipamento bem mais versátil (e caro), que dará acesso a livros, jornais e outros materiais de leitura por meio da App Store, via iTunes.
As editoras, que batem-se contra o domínio da Amazon e sua insistência em baixar para US$ 9,99 o preço dos lançamentos, agora estão jogando as titãs da tecnologia uma contra a outra. No processo, elas podem deixar as garras de um executivo feroz (Jeff Bezos, da Amazon), para cair nas tenazes de outro Steve Jobs, cuja obstinação em relação a preços levou a indústria musical a picos semelhantes de ansiedade.
"A política de preços do Kindle vai tirar a atratividade da Apple? Não é essa a questão, afinal?", pergunta Richard Charkin, diretor executivo da Bloomsbury Publishing, de Londres, que tem acompanhado com especial interesse as vendas de livros eletrônicos. "Eu não tenho a mais remota ideia. Tudo o que eu tenho a dizer é que isso é ótimo. Quanto mais pessoas estiverem negociando livros, sejam digitais ou em qualquer outro formato, melhor."
Agora existem movimentos táticos quase diários, de vários participantes desse mercado, sem nenhum resultado visível. Na quinta, a Amazon avisou que permitirá a programadores independentes criar o que chama de "conteúdo ativo" similar a aplicativos para o Kindle que eles terão 70% da receita de cada venda (depois de retirados os custos). A empresa estabeleceu um conjunto de regras que outras companhias, inclusive editores de livros e periódicos, podem usar para criar e vender aplicações para o Kindle. Até que a Amazon introduza modelos mais avançados, eles estarão limitados pela tela atual do Kindle, que é em preto e branco e lenta para atualizar.
Ian Freed, vice-presidente para da Amazon para a linha Kindle, diz esperar que os desenvolvedores tragam um amplo grupo de programas, incluindo calculadoras, aplicativos para acompanhar o mercado acionário e games. Ele também prevê que as editoras começarão a vender uma nova linhagem de e-books, como livros de viagem com opções de busca e guias de restaurantes que possam se adaptar à localização do usuário; livros com questionários interativos; e romances que combinem texto e áudio. "Sabíamos desde o início do Kindle que a inovação não seria gerada toda ela dentro das paredes da Amazon", diz Freed. "Queremos abri-lo a uma variedade ampla de pessoas criativas, de desenvolvedores a editores e autores, para construir o que quer que eles queiram."
O movimento também representa uma mudança na relação da Amazon com os jornais e revistas que fazem edições digitais para o Kindle. Muitos executivos nessas organizações expressaram insatisfação com o corte de 30% no valor das assinaturas feitas via Kindle e na falta de um relacionamento direto com esses assinantes. Com uma loja de aplicativos para o Kindle, essas empresas de comunicação serão capazes de vender programas mais lucrativos, e apresentar noticias atualizadas ao longo do dia.
A Amazon pode estar se apressando em mudar as regras de sua plataforma Kindle com um olho na fanfarra que certamente vai saudar o longamente esperado tablet da Apple.
Os aparelhos, na verdade, são fundamentalmente diferentes. Amazon posicionou o Kindle como o mais moderno dispositivo para leitura, tranquilo para os olhos e de bateria duradoura. Analistas dizem que, para os compradores do tablet da Apple, vídeos e jogos serão mais importantes do que a leitura. Mas, para as editoras, o lançamento da Apple traz uma oportunidade de ouro: a chance de conter o domínio da Amazon sobre o mercado de e-books e retomar algum poder sobre questões sensíveis preço, por exemplo.
Representantes da Apple estiveram em Nova Iorque na semana passada, conversando com líderes do setor editorial. Executivos da área dizem que a Apple promete um acordo pelo qual as editoras poderia estabelecer o preço de seus livros, deixando com a Apple uma comissão de 30% o restante ficaria com as editoras. Steve Dowling, porta-voz da Apple, não quis comentar o assunto, que classificou de "boatos e especulações".
Se a Apple não definir um limite superior de preços, seu modelo seria mais sedutor para as editoras, que se ressentem da forma agressiva com que a Amazon tem baixado os preços. A Amazon costuma cobrar US$ 9,99 por lançamentos e best-sellers uma quantia que outros vendedores, incluindo Sony e Barnes & Noble, foram forçados a seguir. A empresa paga às editoras o equivalente à metade do preço de um livro impresso, o que significa que a Amazon geralmente vende e-books novos com prejuízo. Apesar disso, as editoras temem que a experiência tenha acostumado os clientes a preços baixos demais.
Elas dizem que, se o Kindle mantiver sua posição dominante, forçará as editoras a baixar seus preços de atacado. A provável entrada da Apple e de seu tablet no mercado de e-books dá a elas esperança de ganhar força nas negociações com a Amazon. Elas podem, por exemplo, adiar o lançamento de e-books na loja do Kindle enquanto vendem versões mais caras para o tablet da Apple. "Há uma batalha em andamento em relação ao valor de um livro digital", diz um executivo do ramo de publicações que não quis ter seu nome mencionado em razão das delicadas negociações com a Apple. "Nessa disputa, a Apple tem uma posição que pode ajudar às editoras e, por extensão, os autores."
A discussão ainda vai longe, e as editoras sabem que será dura. Além disso, o setor está trabalhando com a possibilidade de outro peso-pesado entrar no mercado: Google, que tem planos de vender e-books. "Na medida que aumenta o número de companhias que controlam as transações com o consumidor, cresce também o papel dos editores", diz Mike Shatzkin, chefe executivo da Idealog, que ajuda editoras a desenvolver estratégias para o negócio digital. "Se a Apple entra nesse mercado e, em três meses, o Google a segue, podemos ter um mundo completamente diferente para os livros eletrônicos no ano que vem."
Tradução: Franco Iacomini
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