A Receita Federal intensificará a fiscalização sobre grandes empresas e pretende impedir a prática do que considera planejamentos tributários abusivos. O secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, inaugurou ontem a Delegacia Especial de Maiores Contribuintes (Demac) em São Paulo, cujo objetivo é apertar o cerco contra as 10.568 maiores empresas do país que, de acordo com o Fisco, são responsáveis por 75% da arrecadação federal.
No estado de São Paulo estão sediados 40% dessas empresas, que apresentam os seguintes características: receita bruta anual acima de R$ 80 milhões, montante anual de débito registrado na Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) superior a R$ 8 milhões, montante anual de massa salarial informada nas Guias de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP) superior a R$ 11 milhões ou total anual de débitos declarados na GFIP superior a R$ 3,5 milhões.
"A inauguração da delegacia é um marco importante. Prevejo que será um marco na história da Receita Federal", disse Cartaxo. De acordo com ele, o foco da delegacia será sobre empresas de todos os setores da economia, exceto o financeiro, que é fiscalizado por delegacia própria. Na semana passada, a Receita inaugurou uma Demac no Rio. De acordo com Cartaxo, 500 funcionários da Receita em todo o país foram treinados para atuar nas delegacias.
Segundo o subsecretário de Fiscalização da Receita, Marcus Vinícius Neder, um dos principais focos da delegacia será a vigilância sobre manobras fiscais que as grandes empresas realizam com o objetivo de pagar menos impostos. Segundo ele, do total de 10.568 empresas consideradas grandes contribuintes, 42% apresentaram prejuízo fiscal nos últimos cinco anos. Por outro lado, em 2007, as mesmas empresas apresentaram R$ 110 bilhões de estoque de ágio, dinheiro que surge a partir de fusões e aquisições desse grupo de companhias e que pode ser passível de dedução ao longo de cinco anos.
Valor patrimonial
"O ágio surge quando se paga mais que o valor patrimonial da ação de uma empresa. Muitas vezes a ação vale R$ 100 e a empresa resolve pagar R$ 1 mil. Esse excedente, em princípio, não poderia ser despesa da empresa, a não ser quando ela vendesse essa participação. Algumas empresas fazem mecanismos para antecipar essa amortização de ágio", explicou Neder.
Outro exemplo citado pelo subsecretário é a realização de operações desse tipo dentro de um mesmo grupo. "Um grupo econômico, por exemplo, tem duas empresas. Ele faz uma operação e declara que pagou um ágio milionário. Mas ele controla as duas partes e ninguém sabe se o valor era aquele mesmo. Isso é feito para gerar despesa. É uma operação entre partes dependentes ou vinculadas, em que a operação é manipulada. Esse tipo de coisa gerou muito estoque de ágio e está sendo fiscalizado agora. É o ágio de si mesmo ou o ágio interno", disse.
As empresas, de acordo com ele, realizam esse tipo de operação porque uma lei criada na época das primeiras privatizações (9.532/97) permitiu a dedução do ágio. "O que nós estamos questionando são as operações fictícias, simuladas e preparadas para economizar tributos", afirmou. Neder afirmou que os funcionários que trabalharão nessas delegacias receberam treinamento sobre questões jurídicas, contábeis e de tributação internacional para fazer esse tipo de fiscalização. "Às vezes, as provas não estão nos livros fiscais. Tem de se provar aquilo que não foi apresentado à Receita", afirmou Neder.
Os auditores, de acordo com o subsecretário, terão justamente a missão de enfrentar os grandes escritórios de advocacia que realizam planejamento tributário para grandes empresas. "Não é mais a busca de omissão de receita", afirmou. O subsecretário disse que a atualização do sistema do órgão permite hoje que todas as operações de fusão, incorporação e reorganização societária sejam informadas e acompanhadas em tempo real pelo Fisco. "Nenhuma reorganização é feita nesse segmento de maiores contribuintes sem que a Receita analise e verifique se houve alguma irregularidade", garantiu.