Ninguém confundiria esse gélido rincão do norte da Finlândia com o Vale do Silício. Escondida entre as florestas de pinheiros a cerca de 160 quilômetros do Círculo Polar Ártico, Oulu parece ter mais vocação para a criação de renas do que para abrigar startups de alta tecnologia.
Mas essa cidade é um importante centro de comunicação wireless e trilha o caminho da inovação. Além disso, milhares de engenheiros bem formados estão à procura de trabalho neste momento. Muitos foram dispensados pela Nokia a empresa finlandesa que já foi sinônimo de telefonia celular, mas que nos últimos anos tem corrido o risco de cair no esquecimento.
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Embora os empreendedores estejam ansiosos para colocar essas pessoas para trabalhar, as regras da generosa rede de proteção social da Finlândia acabam desencorajando esse desenvolvimento. Os desempregados geralmente não podem receber qualquer tipo de pagamento enquanto estiverem recebendo o seguro desemprego, correndo risco de perder o benefício caso façam isso. Para os trabalhadores que perderam o emprego na Nokia, receber o seguro desemprego muitas vezes representa uma alternativa financeira melhor do que se arriscar em uma das startups da Finlândia, onde um setor tecnológico instável tenta recuperar a força.
Agora, o governo finlandês deseja mudar essa situação, dando início a um experimento na forma de benefícios sociais: uma renda básica universal. A partir de 2017, o governo planeja selecionar aleatoriamente dois mil desempregados – incluindo pessoas de todos os setores. A partir de então os benefícios serão concedidos automaticamente, sem qualquer envolvimento burocrático e sem as penalidades para quem recebe algum tipo de renda extra.
O governo deseja ver o que irá acontecer em seguida. Mais pessoas irão buscar trabalhos, ou tentar abrir empresas? Quantas irão parar de trabalhar e gastar tudo em vodka? As pessoas que forem liberadas das amarras do sistema de amparo aos desempregados irão usar a liberdade para melhorar sua formação profissional, abrindo-se para carreiras novas e promissoras? Esses questionamentos vão além da política econômica e entram nos domínios da natureza humana.
A resposta – que será determinada ao longo de dois anos – poderá moldar as políticas de bem-estar social muito além do mundo nórdico. Em comunidades de todo o planeta, autoridades exploram a renda mínima como uma forma de diminuir as vulnerabilidades dos trabalhadores expostos ao vai-e-vem da economia global e aos efeitos da automação. Embora a renda mínima ainda seja uma noção emergente, que está longe de ser aplicada em larga escala, a crescente experimentação destaca a profunda necessidade de encontrar meios efetivos de diminuir os perigos da globalização.
Essa busca se torna cada vez mais urgente, à medida que uma onda de populismo toma conta do mundo todo. Nos EUA, a eleição de Donald Trump, que prometeu criar sérias restrições ao comércio internacional, além do assustador plebiscito que levou a Grã-Bretanha a deixar a União Europeia, fizeram soar os alarmes para os líderes globais. De agora em diante, eles terão de renovar o capitalismo para que os lucros sejam compartilhados de forma mais justa.
A “renda mínima universal” é um termo que, na realidade, descreve uma série de propostas que compartilham uma mesma característica: todas as pessoas na sociedade recebem regularmente um valor do Estado – a despeito de sua renda ou fonte de trabalho. Esse dinheiro deve servir como garantia de alimentação e moradia, permitindo que as pessoas saiam em busca de autodesenvolvimento enquanto contribuem com a sociedade.
Uma incubadora de startups do Vale do Silício, a Y Combinator, está preparando um projeto piloto em Oakland, Califórnia, no qual 100 famílias irão receber uma bolsa entre US$ 1 mil e US$ 2 mil ao mês de forma incondicional. Recentemente, os eleitores suíços rejeitaram em plebiscito um projeto de renda mínima, mas o senado francês aprovou um experimento nesse sentido. Outros testes estão sendo realizados no Canadá e na Holanda. O governo indiano também estuda oferecer uma renda básica como meio de diminuir a pobreza no país.
“Nos últimos dois anos, muitos países têm pesquisado sobre programas de renda mínima. As elites perceberam que as desigualdades estão se tornando politicamente perigosas”, afirmou Guy Standing, pesquisador da Faculdade de Estudos Africanos e Orientais da Universidade de Londres, além de um dos fundadores da Basic Income Earth Network, instituição criada para promover o conceito da renda mínima.
Empregos
Durante gerações, os decisores políticos buscaram a fórmula mágica da empregabilidade plena, de forma que todas as pessoas que desejem trabalhar, possam encontrar um emprego. Os sistemas de seguro desemprego tradicionais foram criados em uma época em que a natureza cíclica da vida nas fábricas era dominante. Trabalhadores que perdiam o emprego em tempos de vacas magras pagavam as contas com a ajuda do governo até que, inevitavelmente, conseguissem um novo trabalho.
O conceito da renda mínima universal está ganhando força em parte em função do reconhecimento de que o mercado de trabalho mudou tão profundamente que a empregabilidade plena acabou se convertendo em mera fantasia.
A renda mínima deve ser permanente, criada para uma era na qual a demanda por trabalho pode se tornar constantemente insuficiente. Seja lá o que possa acontecer – que todos se tornem motoristas do Uber em meio período, ou que os motoristas do Uber sejam substituídos por automóveis autônomos –, todas as pessoas poderão contar com seu sustento.
O mundo da tecnologia adotou a renda mínima como resposta à automação e à ameaça do desemprego. Se as necessidades de todos são garantidas, a sociedade poderá finalmente contar com os robôs e estaremos livres das vicissitudes do trabalho.
Ainda assim, o alto custo de qualquer coisa verdadeiramente universal faz o conceito da renda mínima ser impensável em muitos países. Se todos os americanos recebessem apenas US$ 10 mil ao ano, o custo total seria de US$ 3 trilhões, ou cerca de oito vezes mais que o gasto atual do governo com programas sociais.
Além da matemática, a renda mínima se depara com discordâncias fundamentais sobre a realidade humana. Se as pessoas não tivessem mais medo de que – sem trabalho – acabariam sem um lugar para viver, isso iria transformá-las em parasitas?
“Algumas pessoas creem que uma renda mínima resolveria todos os problemas da humanidade, mas outras acreditam que isso seria um presente de grego que iria arruinar nossa ética de trabalho. Espero que consigamos responder pelo menos em parte essa pergunta”, afirmou Olli Kangas, que supervisiona a pesquisa na Kela, a agência governamental finlandesa que administra muitos programas de bem-estar social.
Finlândia tenta criar mais empregos
As preocupações da Finlândia são pragmáticas. O governo não tem interesse em liberar os assalariados para que passem os dias escrevendo poesia. Na verdade, a ideia é criar mais empregos.
A crise financeira internacional e suas consequências trouxeram resultados assustadores para a economia local. O desenvolvimento de tablets e smartphones afetou drasticamente um setor importante no país: a produção de papel. A crise na Rússia também levou a um desequilíbrio na balança comercial. Ao longo da última década, a economia finlandesa simplesmente deixou de crescer.
Para os trabalhadores, o choque foi aliviado por um amplo sistema de bem-estar social. Durante um período de cinco anos após a perda de um emprego, uma família finlandesa de quatro pessoas continuaria a receber uma média de benefícios equivalente a 73% da renda anterior, de acordo com dados da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Isso representa quase três vezes mais que os níveis pagos nos EUA, por exemplo.
Contudo, a rede de segurança social também parece estar impedindo a recuperação da economia, já que desencoraja os desempregados a buscar trabalhos em meio período.
“Voltar ao trabalho deveria sempre ser melhor do que ficar em casa recebendo os benefícios”, afirmou Pirkko Mattila, ministro de Assuntos Sociais e Saúde da Finlândia. “Precisamos assumir e risco e realizar esse experimento.”
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