O que poderia ser uma LAN house dos sonhos, com o console mais caro da história dos videogames, é, na verdade, um laboratório que faz bilhões de cálculos por segundo para entender melhor a "interação de anestésicos locais com membranas biológicas".
São 12 PlayStation 3 ligados em rede em uma sala da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), interior de São Paulo. Com seus joysticks (controles) guardados no armário, rodam o sistema operacional Linux, formando um cluster de processamento e ajudando a pesquisadora argentina Monica Pickholz nos cálculos de bioinformática desde junho de 2007.
"São muito mais estáveis que qualquer cluster [aglomerado de PCs] com que já trabalhei", diz Monica. Os videogames funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana. Só pararam uma vez, quando "acabou a força e o gerador não funcionou". Durante todo o tempo, os videogames fazem cálculos para simular dinâmicas de comportamento entre átomos.
Supermáquina
A iniciativa da pesquisadora pode parecer inusitada, mas não é surpresa para quem acompanha o mundo dos jogos. Afinal, desde antes do lançamento do PS3 a Sony já vendia a idéia de que o videogame seria um "supercomputador" (clique aqui para suas especificações). Ele lê discos Blu-ray, tem saída de vídeo em alta definição, entradas USB, conexões Wi-Fi, Bluetooth e discos rígidos de até 80 GB. Mas o que torna o PS3 tão atrativo no ambiente científico é um "simples" chip: o Cell.
Criado em parceria da Sony com a IBM e a Toshiba, o chip Cell tem um núcleo e oito processadores. Essa arquitetura permite que cálculos sejam distribuídos, agilizando as tarefas sem sobrecarregar o sistema.
"A capacidade de cálculos é inimaginavelmente grande. Considerando o que se gasta para produzir um PS3, é uma imbatível relação custo/benefício no mercado computacional", explica o consultor de informática Martinelli.
Diversão barata
Quando foi lançado, em novembro de 2006, o PS3 importado chegou ao Brasil por cerca de R$ 7 mil. O preço foi reduzido ao longo dos meses, e hoje varia de R$ 2,2 mil a R$ 3,5 mil, dependendo do modelo. Seu principal rival, o Xbox 360, é vendido por R$ 2,5 mil com a vantagem de ter garantia e assistência técnica no país, além de uma oferta de jogos maior.
A professora Monica, doutora em Física, faz as contas. Com o projeto de pesquisa financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo), comprou cada máquina no Brasil por cerca de R$ 2,58 mil - modelo com disco rígido de 60 GB. Conseguiu um total de 72 processadores, já que, efetivamente, são seis os centros de processamento ativos em cada PS3. O mesmo dinheiro, se aplicado em servidores convencionais, resultaria em apenas 32 processadores, ela diz.
"Ocorre que o hardware do PS3 é barateado por expectativas de volume de vendas e ganhos com softwares (jogos), algo que não acontece no mercado de servidores", diz Martinelli. Ou seja, a Sony pretende lucrar com a venda de jogos, enquanto perde alguns trocados para ver sua base instalada de usuários aumentar. Pena que cientistas não jogam durante o trabalho. Ou jogam?
Monica não conhece videogames, nem mesmo Wii e Xbox 360, os rivais do PlayStation 3. Ela revela que jogava "Descent", jogo de naves espaciais em 3D que marcou época nos computadores. Dos 12 PS3 configurados para a pesquisa, somente o primeiro veio com jogo já devidamente guardado junto com os joysticks.
A serviço da ciência
Antes de investir no "cluster" de videogames, Monica testou um PlayStation 3. Convencida de que poderia dar certo, avançou com o projeto. "Na Unicamp desconfiaram, acharam que era um risco muito grande". Mas a reação foi positiva quando perceberam os resultados, diz a professora.
No entanto, o console da Sony não pode executar qualquer função na informática, segundo a pesquisadora. "O PS3 não é a salvação para todos os problemas, tem aplicações bastante específicas" diz.
Outros projetos pelo mundo também utilizam o poder de processamento do console com o chip Cell. Até mesmo a Sony se viu obrigada a instalar servidores de PS3 para hospedar as conexões de partidas on-line do jogo "Warhawk", recentemente lançado para o próprio PlayStation 3.
No campo científico, o projeto PS3 Grid vem com o subtítulo "PlayStation 3 a serviço da ciência". A iniciativa pretende reunir voluntários para pesquisas na área de simulação de dinâmicas moleculares. No site, os criadores citam um exemplo de mutirão de videogames dedicados aos cálculos. "Se mil pessoas se unirem nessa cooperativa, teremos uma força computacional equivalente a 16 mil computadores de processador simples", diz o texto de introdução.
Lanterninha
Enquanto amplia as possibilidades da ciência, o PS3 continua seu caminho tortuoso no mercado em que foi destinado a brilhar. A "guerra da nova geração" de games já existe "oficialmente" há quase um ano, e o PS3 é o lanterninha. Desde seu lançamento, foi alvo de polêmicas. Preço alto, ajustes de hardware e uma linha de jogos que não conquistou o público.
A concorrência não perdeu tempo. Segundo dados do site Video Game Chartz, o PS3 tem quase cinco milhões de unidades vendidas no mundo, contra 11 milhões do Xbox 360 e 12 milhões do Wii.
Recentemente, foi confirmado o reajuste de preços na Europa, que passam a valer a partir desta quarta-feira (10). O modelo de PS3 com disco rígido de 60 GB caiu de 599 (R$ 1,52 mil) para 499 euros (R$ 1,27 mil), e um modelo com HD de 40 GB será lançado a 399 euros (R$ 1 mil).
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