Licitada há quase quatro anos e inicialmente programada para funcionar a partir de janeiro de 2013, a hidrelétrica de Baixo Iguaçu nem sequer começou a ser construída. E embora a Neoenergia, dona da concessão, tenha obtido uma importante vitória no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), ainda terá de superar alguns obstáculos entre eles, outra decisão da Justiça para dar início às obras.
Se for levada adiante, Baixo Iguaçu terá capacidade de 350 megawatts (MW), potência suficiente para abastecer pouco mais de 1 milhão de pessoas. Listada no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a obra custará ao menos R$ 1,5 bilhão.
O local escolhido para a usina fica no Rio Iguaçu, entre os municípios de Capitão Leônidas Marques e Capanema (Sudoeste do Paraná), a pouco mais de 500 metros do Parque Nacional do Iguaçu. Essa proximidade e supostas irregularidades no licenciamento ambiental deram origem, antes mesmo do leilão de concessão, a um imbróglio judicial que persiste até hoje.
Em março, o TRF4 reviu seu próprio posicionamento e declarou válido o licenciamento ambiental da hidrelétrica, conduzido pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP). A decisão entusiasmou prefeitos e políticos da região, em sua maioria favoráveis à obra, e fez a Neoenergia declarar o início da construção de Baixo Iguaçu ainda neste semestre e a conclusão até 2015. "A posição do nosso departamento jurídico é que [a licença de instalação] está para sair a qualquer momento. Queremos começar a obra no segundo semestre", disse no fim de junho o diretor financeiro da companhia, Erik Breyer, em teleconferência com analistas de mercado.
O otimismo da Neoenergia, no entanto, não parece ter o respaldo do IAP. Consultado pela Gazeta do Povo, o instituto afirmou que uma sentença da 1.ª Vara de Fazenda de Curitiba suspendeu o licenciamento de Baixo Iguaçu e de outras três hidrelétricas no estado, além de impedir o IAP de emitir qualquer nova licença para essas usinas. A decisão, que deu ganho de causa à ONG Liga Ambiental, foi publicada no Diário da Justiça do Paraná em 20 de junho.
Ainda que o IAP pudesse dar sequência ao licenciamento, a Neoenergia teria de obter uma nova licença prévia (LP) para Baixo Iguaçu antes de pleitear a licença de instalação. Isso porque a LP emitida pelo IAP em julho de 2008, que permitiu o leilão da usina, perdeu sua validade e não foi renovada.
Há outro porém. Como a hidrelétrica está planejada para a chamada "zona de amortecimento", área que compreende um raio de dez quilômetros em torno do Parque Nacional do Iguaçu, teria de receber o aval do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Responsável pelas unidades de conservação federais, o ICMBio chegou a dar sua anuência, mas a retirou ainda em 2008, com o pretexto de reavaliar a questão e até hoje não tomou sua decisão.
Procurada pela Gazeta do Povo, a Neoenergia não quis se pronunciar.
Decisão de vara da capital afeta todas as novas hidrelétricas
A decisão da 1.ª Vara de Fazenda de Curitiba não diz respeito apenas a Baixo Iguaçu, mas a todas as novas hidrelétricas planejadas para o estado. Ao anular a Portaria 070/2005 do IAP, a sentença dá a entender que qualquer licenciamento de hidrelétrica no Paraná dependerá da realização de uma Avaliação Ambiental Integrada (AAI) da bacia hidrográfica afetada.
Editada no governo de Roberto Requião, a Portaria 070 tinha o objetivo de abrir uma brecha dentro de outra portaria do próprio IAP, a 120/2004 que, a pedido de Requião, havia paralisado todos os licenciamentos de hidrelétricas, condicionando sua retomada à conclusão da AAI das bacias afetadas. Além do propósito ambiental, a Portaria 120 tinha o objetivo de dificultar a vida de empresas privadas com concessões de usinas, em especial de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).
Mas essa medida atrapalhava os planos do governo federal, que planejava uma série de usinas para o estado. Assim, o que a Portaria 070 fez foi atendendo a um pedido da então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff permitir o licenciamento das usinas de Baixo Iguaçu, Mauá, Telêmaco Borba e Salto Grande do Chopim. Sem essa brecha, Mauá e Baixo Iguaçu jamais teriam recebido as respectivas licenças.
Com a anulação da Portaria 070, vale o escrito na 120. O que dificilmente terá efeitos práticos sobre Mauá, cujo reservatório já está enchendo e que deve começar a funcionar nos próximos meses. Mesmo em relação a Baixo Iguaçu há dúvidas, diz o coordenador jurídico da ONG Liga Ambiental, Rafael Filippin. "Não sabemos ao certo quais as consequências, uma vez que houve várias decisões em torno dessa usina. Mas o fato é que nosso processo [na Vara de Fazenda] já transitou em julgado. Então ou o IAP faz o licenciamento desde o começo, sem reaproveitar o licenciamento antigo, ou terá problemas."
Tibagi
A AAI do Rio Tibagi está sendo elaborada somente agora, a poucos meses de a usina de Mauá entrar em funcionamento. A responsável pela avaliação é a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do governo federal, que vai realizar audiências públicas sobre o assunto na próxima semana em Londrina, no dia 17, e em Ponta Grossa, no dia 19.
Gerdau também espera por licenças no Paraná
Outra empresa às voltas com problemas judiciais por causa de hidrelétricas atrasadas no Paraná é a Gerdau. Ela é dona da concessão de duas usinas de pequeno porte São João, de 60 MW, e Cachoeirinha, de 45 MW no Rio Chopim, entre Clevelândia e Honório Serpa (Sudoeste). O complexo foi concedido à Enterpa Energia há dez anos. A Gerdau comprou a concessão em 2008, com planos de investir US$ 173 milhões nas usinas e concluí-las até 2011, mas até hoje o projeto não saiu do papel.
O governo federal começou a cobrar os valores referentes à outorga dessas e de outras nove usinas concedidas antes de 2004, dentro do modelo antigo do setor elétrico, e não construídas até hoje. Pelo sistema antigo, o empreendedor recebia a concessão antes mesmo de a usina ter licença ambiental prévia (LP), documento que confere alguma viabilidade ambiental ao projeto. Por isso, dificuldades no licenciamento eram ainda mais frequentes que hoje o novo modelo do setor não permite que um projeto seja licitado sem ter a LP.
A Gerdau e outras grandes empresas conseguiram, na Justiça, o direito de não pagar pelas outorgas enquanto as hidrelétricas não estiverem funcionando. Ao jornal Valor Econômico, a companhia informou que espera receber a licença de instalação e iniciar a construção de São João e Cachoeirinha ainda neste ano. No entanto, assim como ocorre com Baixo Iguaçu, o site do IAP indica que não há qualquer licença prévia vigente para essas duas usinas.
Mais de dez anos
A lista de usinas atrasadas no Paraná inclui ainda a de São Jerônimo (331 MW), no Rio Tibagi, e Tijuco Alto (120 MW), no Rio Ribeira do Iguape. Por questões legais e ambientais, os projetos de ambas juntam poeira há mais de uma década. A primeira foi concedida em 2001 a um consórcio que tem entre seus sócios a Copel. A concessão da segunda, que pertence à Companhia Brasileira de Alumínio, data de 1988.