| Foto: Rafael Matsunaga/Fotos Públicas

Os mercados globais receberam com pânico a decisão dos eleitores britânicos pela saída do Reino Unido da União Europeia (EU), evento que sugou mais de US$ 3,5 trilhões do valor de mercado das empresas abertas no mundo em apenas dois pregões, em 24 e 27 de junho.

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Na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), o tombo acumulado naqueles dias foi de 4,49%, mas as perdas foram inteiramente recuperadas nos pregões posteriores, quando se consolidou a percepção de que o chamado Brexit levaria a uma nova onda de estímulos monetários no mundo. Mas, se o Ibovespa, índice de referência do mercado brasileiro, parece ter saído ileso da cisão geopolítica, nem todos os setores e papéis que o compõem tiveram a mesma sorte, e analistas recomendam que se leve em conta o Brexit na hora de escolher ações a partir de agora.

Para entender como as empresas brasileiras podem ser influenciadas, os analistas de corretoras e gestoras recomendam olhar mais para a macroeconomia do que para fatores corporativos. Como observou Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, os efeitos do Brexit sobre o Brasil, em si, “são bastante limitados”. A razão disso, afirmou, é que o país não possui nenhum grande acordo comercial com o bloco europeu.

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“Dessa forma, trata-se mais de uma questão de volatilidade de mercado”, afirmou Vieira.

O que realmente está influenciando a Bolsa é a interpretação de que o Brexit, por suscitar preocupações de que o crescimento da economia global será mais lento do que se imaginava, fará com que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) interrompa por ora o processo de elevação de suas taxas de juros, hoje entre 0,25% e 0,50% ao ano.

Segundo algumas estimativas, o ritmo de crescimento da economia americana deve ser reduzido em 0,2 ponto percentual durante os próximos seis trimestres. Como juros mais altos implicam em economia mais lenta, os economistas estão apostando que o baque do Brexit levará à postergação de novas altas nas taxas dos Estados Unidos.

Se antes a aposta era que o Fed poderia aumentar os juros mais duas vezes este ano, a maioria agora descarta qualquer nova elevação em 2016. Os mais recentes números de negociações no mercado de juros sugerem que os investidores veem maior probabilidade de só haver uma alta de juros nos EUA no começo de 2018.

Como o dólar subiu em escala global na expectativa de um aperto monetário nos EUA, a frustração dessa aposta levará à queda da divisa. O processo já está ocorrendo: o dólar comercial estava em R$ 3,34 antes do Brexit e agora vale R$ 3,22, proporcionando ao real seu maior fortalecimento em um mês desde abril de 2003.

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“Isso significa que ações de empresas eminentemente exportadoras, com fluxo de caixa dolarizado, vão sofrer maior pressão de venda na Bolsa”, comentou Alexandre Wolwacz, diretor da Leandro & Stormer Escola de investimentos.

Wolwacz e Thiago Bisi, analista da L&S Análise, citam entre companhias especialmente afetadas a Embraer e aquelas do setor de celulose (Klabin, Suzano e Fibria). Outra que deve sofrer pressões negativas é a catarinense Weg, fabricante de maquinário industrial.

“A Weg deve ser influenciada não só pelo câmbio. Ela produz bens de capital, produtos que só são demandados quando há crescimento no mundo. Acontece que o Brexit deve impor um ritmo mais lento à expansão da atividade global”, acrescentou Wolwacz.

Não à toa, essas empresas estão entre as que mais caíram na Bovespa desde o referendo britânico. Até a última quinta-feira, as ações ordinárias (ON, com direito a voto) da Fibria haviam caído 17,2%. Já a Weg ON perdeu 4,72%, enquanto os papéis preferenciais (PN, sem voto) da Suzano PNA tiveram desvalorização de 3,98%, a Embraer ON teve baixa de 3,85% e a unit da Klabin recuou 1,20%.

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Gigantes do ramo de alimentos da Bovespa também são exportadores importantes, como JBS e BRF, mas os analistas lembram que essas empresas têm robustas operações de hedge (proteção) cambial, suavizando possíveis impactos da queda do dólar.

Frigoríficos

Considerando-se especificamente o setor de frigoríficos (que também inclui companhias como Marfrig e Minerva), o Brexit acendeu a esperança de que o Reino Unido poderia flexibilizar as importações de carne, uma vez que a oferta do produto vinda do bloco europeu tende a diminuir. Por enquanto, porém, Victor Martins, analista da Planner, recomendou esperar para ver os desdobramentos antes de fazer qualquer aposta.

“Vai depender efetivamente se haverá regras mais flexíveis para as vendas destinadas ao Reino Unido. Nesse contexto, e olhando a curto prazo, acreditamos que não haverá um reflexo destacadamente positivo nas cotações das ações dos frigoríficos brasileiros”, afirma.

Quando o dólar se desvaloriza, a tendência é de alta para as commodities. Por isso, embora os produtos básicos ainda estejam sofrendo com a turbulência provocada pelo Brexit, os analistas acreditam que companhias ligadas a matérias-primas podem se beneficiar daqui para frente, em algum grau. Esse grupo inclui Petrobras, Vale e siderúrgicas, por exemplo.

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Setor bancário

Raphael Figueredo, da corretora Clear, destaca ainda o setor de concessionárias de serviços públicos, sobretudo no setor de energia. Segundo ele, além de serem ações consideradas defensivas, há a expectativa de que o segmento seja beneficiado pela onda de privatizações prometida pelo governo do presidente interino, Michel Temer. Essas companhias estão entre as que mais subiram desde o Brexit, aliás. Até a última quinta-feira, por exemplo, a Cemig saltou 15,56%, enquanto a Tractebel avançou 6,07%.

“O mercado vai voltar a procurar o setor de utilities (serviços públicos) como uma postura anticíclica. Isso está acontecendo também nos EUA. Como está havendo uma retomada da confiança no front doméstico e como o Temer vem falando em privatizações, empresas como Alupar, Light e Equatorial podem ser beneficiadas”, explicou Figueredo.

O setor bancário, por sua vez, está na berlinda. Embora não tenha acumulado perdas nos pregões pós-Brexit, ele está sujeito a parte da intensa volatilidade que os bancos europeus vêm enfrentando desde o referendo.

“Os bancos brasileiros podem sofrer um pouco com maiores entraves nas captações do mercado externo, que acessam com alguma frequência. Trata-se de uma particularidade do mercado financeiro. Mas, a princípio, seus balanços não devem ser machucados por isso”, disse Mario Roberto Mariante, analista-chefe da Planner.

Mariante também observou que, mais do que os desdobramentos do Brexit, os investidores devem estar atentos ao desenrolar do cenário político, sobretudo ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff: “Isso vai ser muito mais importante do que o Brexit”.

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