SÃO PAULO - O montador João Bernardino de Sena, de 45 anos, vai todo mês à região da 25 de Março, área especializada em comércio popular de São Paulo, e aproveita para dar uma passada no supermercado Vovó Zuzu. A motivação é economizar na compra de alimentos, principalmente os perecíveis, vendidos por menos da metade do preço praticado em redes de varejo tradicional. O estabelecimento negocia com fornecedores preços baixos para produtos que estão perto do vencimento. Em tempos de redução da renda, é um prato cheio para quem quer fazer economia.
“Isso faz muito diferença no fim do mês. Nos últimos anos, os preços de alimentos subiram muito. Só dessa forma é possível comprar itens mais caros, que as crianças gostam”, disse Sena, que tem dois filhos e estava acompanhado da mulher no dia da compra.
No carrinho, itens como frios e iogurtes e um cronograma apertado. Os produtos tinham data de vencimento até o dia 1º de janeiro, ou seja, a família terá três semanas para consumir tudo. Iogurtes gregos (Danio e Corpus), que, em geral, custam em torno de R$ 3, eram vendidos a R$ 1,19. A embalagem de peito de peru ou queijo prato da Sadia com 200g tinha preço promocional de R$ 2,99, ante valor de R$ 8 sem oferta. Produtos não perecíveis também estão disponíveis, como sabão líquido Ariel Power a R$ 17, 99. No varejo tradicional, chega a custar mais de R$ 30.
O gerente da Vovó Zuzu, Francisco Pinheiro Barbosa, explica que houve aumento da demanda por produtos perto do vencimento no último ano. De forma geral, isso elevou o número de clientes na loja de quase 5 mil pessoas ao dia, em 2015, para uma média de mais de 7 mil clientes.
“Fazemos a negociação com os fornecedores e temos que vender logo. Se vencer, assumimos a perda, e o material vai para o descarte. É um risco que as grandes redes não querem correr ”, explicou, acrescentando que, apesar da recessão, o faturamento da loja, que emprega cerca de 200 pessoas, vai fechar o ano com um crescimento de 30%.
Varejistas trocam margem de lucro por volume de vendas
Isso ocorre porque, em geral, nos contratos entre grandes redes e indústrias, é prevista a possibilidade de troca quando o item começa a se aproximar da data de vencimento. O material é recolhido e, para não ser descartado, é repassado a esse tipo de comércio, que vê como um bom negócio a chance de vender a preço baixo um produto que seu público, em geral, não compraria. Neste caso, o varejista aceita uma margem de ganho baixa, mas a vantagem vem do volume comercializado.
Na Lojão do Barão, a aposta em produtos perto do vencimento começou há pouco mais de três anos e ajuda a manter as três filiais da rede. Todas estão em áreas de grande circulação de pessoas na capital paulista. Afinal, por se tratar de produto perto do vencimento, o giro precisa ser rápido para não haver prejuízo.
“Nosso diferencial é vender produtos próximo do vencimento. Isso ajuda a atrair um público maior, que busca ofertas. Mas tem uma consequência. Os órgãos de fiscalização visitam a loja para a inspeção uma vez ao mês, mais ou menos”, disse Leandro Ferrari, um dos sócios da Lojão do Barão, acrescentando que a frequência era menor quando o estabelecimento não investia nessa estratégia.
Como o objetivo é economizar, o cliente normalmente não tem apego a marcas ou está à caça de promoções. Não há muito tempo para hesitação: o congelado de uma determinada marca em promoção numa semana dificilmente estará disponível na mesma loja na semana seguinte.
Nas grandes redes, a tática também é usada, mas em menor escala. Diferentemente dos pequenos mercados, a oferta se limita a estoques que não foram vendidos no prazo previsto. Não são resultado de uma estratégia de negociação com fornecedores. No Grupo Pão de Açúcar, a orientação é que as lojas deixem esses produtos perto do vencimento em áreas específicas e com aviso aos clientes. Há também um apelo sustentável. “O objetivo do GPA com esta iniciativa é reduzir o desperdício de alimentos no país, incentivando o consumo e a oferta consciente. São oferecidos produtos perecíveis e não perecíveis, com descontos de até 40%”, justificou a empresa em relação a esse tipo de promoção.
Na avaliação de Marco Quintarelli, consultor de varejo e sócio da AZO Negócios, trabalhar com produtos próximo ao vencimento é um bom negócio para varejo, consumidor e indústria. No caso de quem vende, é uma forma de fazer uma promoção e atrair público, que muitas vezes acaba levando outros itens. Para quem compra, é a oportunidade de ter um produto a preço menor. Já para quem fabrica, essas promoções também são benéficas porque resultam em menos material para descarte.
Compre somente a quantidade necessária
Quintarelli explica que nos mercados que rotineiramente compram esses produtos, a ideia mesmo é ganhar no giro. Já nas redes maiores, a venda de produtos perto do vencimento em geral decorre de uma mudança no padrão do consumo da loja ou em planejamento malfeito:
”Quando isso acontece no varejo tradicional é porque houve queda na demanda, que gerou sobra de mercadoria, ou uma estratégia equivocada de preço em algum produto. A saída é reduzir bem a margem e evitar um prejuízo maior”.
Para os lojistas, a Fundação Procon-SP orienta sobre a importância de sinalizar que os itens em promoção estão com data próxima ao vencimento. No entanto, esse tipo de aviso não é obrigatório. “Em casos de alimentos que estão com o prazo de validade próximo do vencimento, o consumidor deve procurar comprar somente a quantidade que tem certeza de que vai consumir no prazo. Não arriscando sua saúde”, explicou o órgão, em nota.
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