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Combustíveis

Vale a pena apostar no álcool?

A relação do consumidor brasileiro com o álcool combustível – que após as reviravoltas de anos anteriores voltou a se fortalecer em 2003, com a chegada dos carros bicombustíveis – está novamente marcada pela desconfiança. O aumento de 28% dos preços no ano passado, seguido por um reajuste de 6% nos primeiros dias de 2006, fez os motoristas sentirem-se traídos após dar um novo voto de confiança ao combustível, alternativa renovável e pouco poluente ao finito petróleo.

De uma hora para outra, o brasileiro passou a relembrar o aparentemente superado episódio do desabastecimento no fim dos anos 80 – época em que mais de 90% dos veículos saíam das montadoras equipados com motor a álcool. O descrédito dos milhões de consumidores foi tal que esse percentual caiu até atingir menos de 1% entre 1996 e 1998.

Como uma amiga próxima que faz de tudo para evitar o rompimento de um casal, o governo decidiu entrar em ação nas últimas semanas, na tentativa de evitar pressões inflacionárias que afastassem os motoristas do derivado da cana-de-açúcar. A preocupação do governo federal foi também impulsionada pelo fato de o país estar em ano eleitoral – período em que governantes em geral atentam para o fato de que consumidores são também eleitores. Para aumentar a oferta do produto e brecar aumentos, estudou-se reduzir o percentual de álcool anidro adicionado à gasolina de 25% para 20% – uma possibilidade ainda não descartada – e houve quem falasse até em congelamento de preços. No fim, um acordo fechado com os usineiros deverá manter em R$ 1,05 o valor do litro do álcool que sai da usina, que estava em R$ 1,08, em média.

Curiosamente, no dia seguinte ao acordo, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) anunciava um aumento no preço na bomba. "A própria hipótese de congelamento de preços levou as usinas a aumentá-los, como forma de se proteger", diz o economista Adriano Rodrigues, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE).

Em meio ao atual clima de fim de caso, ninguém quer assumir a culpa pelo enfraquecimento da relação. Em uma ponta, os postos afirmam que apenas repassam os aumentos promovidos pelas distribuidoras, mantendo as margens de lucro. As distribuidoras, no meio do caminho, adotam o mesmo discurso: estariam apenas transferindo os aumentos promovidos pelo elo anterior da cadeia – no caso, os usineiros. Em sua defesa, eles argumentam que os reajustes são resultado puro e simples da economia de mercado: é normal que o preço suba na entressafra e que caia na época da moagem da cana – que este ano, por causa do acordo selado por governo e usineiros, será antecipada de maio para março.

Paulo Miranda, vice-presidente da Fecombustíveis, que representa os postos brasileiros, é um dos defensores da redução do volume de álcool anidro misturado à gasolina. "Ela elevaria a oferta mensal de álcool em quase 100 milhões de litros, o que dá 22% do consumo", diz. Miranda explica que, como o percentual de gasolina seria maior, seu preço também cresceria, mas muito pouco, "somente 1 ou 2 centavos". "No período da safra de cana, bastaria retornar aos 25% de álcool."

Se a proposta for aceita, abrirá mais um capítulo da antiga novela da mistura de álcool à gasolina: iniciou com 12% em 1975, na criação do Proálcool, depois passou a 18%, 20% e 22%, até chegar ao patamar atual, o maior da história. Rodrigues, do CBIE, acredita que a alternativa mais sensata a uma nova mudança na proporção seria a flexibilização dos impostos sobre o álcool, reduzindo-os na entressafra. "Mas o governo gasta cada vez mais, e não cogita reduzir a arrecadação."

O economista afirma que não há motivos para desconfiança em relação ao futuro do álcool, já que a produção deve crescer nos próximos anos, e a regulação natural do mercado tende a impedir distorções. "Quem tinha carro a álcool anos atrás não tinha como se proteger das reviravoltas do mercado. Hoje, com os veículos flex, o consumidor não fica refém nem da Petrobrás nem dos usineiros." Tereza Fernandez, diretora da consultoria econômica MB Associados, prevê que o atual impulso da demanda – interna e externa – pelo álcool vai se acomodar em dois ou três anos. "Os preços não voltarão a níveis tão baixos quanto em 2005, porque agora há novos fatores em jogo, mas tendem a recuar na hora da colheita."

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