Consumidor precisa estar ciente de que o valor das parcelas represado no começo pode sobrecarregar o orçamento depois.| Foto: Reprodução/

De tempos em tempos as montadoras de automóveis lançam tentadoras promoções, com facilidades que vão desde bônus de entrada, revisões grátis, IPVA quitado ou financiamento a juro zero. Recentemente, duas fabricantes de veículos instaladas no Brasil lançaram promoções com valores bem abaixo do usual para as primeiras 12 parcelas, pagas após generosas entradas.

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Durante todo o mês de abril, a Volkswagen ofereceu toda a linha de automóveis – com modelos a partir de R$ 38.740 – por R$ 99 mensais no primeiro ano de contrato. A ação “Fazer parte da Nova Volkswagen, vale” incluiu em seu plano um custo de entrada de 40% do valor do veículo. E, após as 12 primeiras parcelas, o montante poderia ser quitado em 36 prestações, com taxa de 1,49% ao mês.

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Em outra ação, esta da Peugeot, é oferecido o modelo 208 Active 1.2 Mecânico 18/19, que custa a partir de R$ 54.690, em 12 vezes de R$ 208 + 36 de R$ 1.640,51 – normalmente as parcelas iniciais custam de R$ 400 a R$ 500, segundo a montadora. O regulamento da promoção informa estoque de dez unidades em território nacional (dos cerca de 700 produzidos ao mês) e pede 30% de entrada à vista sobre o valor total (R$ 16.407), a juros de 1,39% ao mês, para compras até 30 de junho nas concessionárias de todo o país (ou enquanto durarem os estoques).

“Entendemos que nesse momento econômico, parte dos consumidores pode estar precisando de um respiro nas finanças. Para não adiar o sonho de ter um Peugeot zero km, ele tem essa facilidade”, afirma o diretor comercial da Peugeot, Frederico Battaglia.

Mas é viável ao cliente este afrouxamento por um ano no pagamento da dívida? Para os educadores financeiros consultados pela reportagem, não há armadilhas no ponto principal das ações, mas as tentadoras parcelas reduzidas podem desviar o foco de uma outra questão. Mais do que caberem no bolso e ainda sobrar espaço, mesmo que por um curto período, o que deve valer é o preço total do bem no final do contrato e se não seria mais interessante estudar alternativas.

No caso do Peugeot 208, ao final, o modelo sai por R$ 77.961,36, uma diferença de R$ 23.271,36. Ou seja, são 42,55% a mais sobre o valor do carro à vista em um período de quatro anos. Segundo educador financeiro Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira dos Educadores Financeiros (Abefin) e youtuber no canal Dinheiro à Vista, é preciso somar todos os preços: entrada, parcelas, juros e avaliar.

“Se entender que é muito útil no momento e não é possível esperar, assumir os juros é natural e será o preço pago pela pressa”, avalia.

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Em uma rápida pesquisa no portal de vendas Webmotors, o educador financeiro Mauro Calil, fundador da Academia do Dinheiro, verificou que um modelo semelhante, com quatro anos de uso, sairia R$ 35,5 mil. “Pela matemática, o consumidor paga 1,42 carro e, ao final do contrato, tem um patrimônio de metade do valor pago. Não é um bom negócio financiar. O melhor, sem dúvida, é poupar e comprar à vista e ainda com possibilidade de bons descontos”, afirma.

Calil lembra que muitas pessoas sem renda estão se movimentando para os aplicativos de mobilidade, que geram receita com carros, e as empresas estão percebendo isso. “No entanto, esta situação, que deveria ser passageira, parece estar se tornando permanente, e as montadoras acabam por facilitar os planos de quem busca renda, diminuindo drasticamente o valor das parcelas no primeiro ano, para que caibam nos planos do novo motorista.”

Juros estão abaixo da média, mas ainda assim são caros

Para Domingos, os juros em si não são exorbitantes, inclusive estão abaixo da média de mercado divulgada pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), que ficou em 1,84% no mês de maio, a menor desde dezembro de 2014. O que não quer dizer que não são caros, aponta ele, por se tratar de juros sobre juros. “O ideal seria não ter juros, mas ainda está dentro do que se pratica no segmento. A questão é quanto o bem vai sair no final e se não vale poupar e pagar à vista.”

Chama atenção a porcentagem de entrada acima da média usual, que costuma ser de 15% a 20%, segundo os especialistas em educação financeira. Nos exemplos de promoções mencionados, as marcas pedem 30%, 40% de entrada sobre o valor do automóvel, possivelmente para compensar as prestações menores, usadas como isca para conquistar os compradores.

“São quantias consideráveis, que poderiam ser usadas para apostar em um consórcio, por exemplo. O valor pode ser usado para dar lance, aumentando as chances de ser contemplado, e o consumidor arca apenas com taxas de administração, que são bem menores que os juros sobre juros dos planos”, sugere Domingos.

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Independentemente de promoção, Calil aconselha a nunca encarar a compra de um carro como um investimento, mas sim como um passivo que custa caro de adquirir, manter e renovar. “Mesmo que o veículo seja usado para gerar renda como motorista de aplicativo, deve-se levar em consideração que a depreciação é violenta, e terá que ser compensada no futuro. Financiar e pagar juros só agrava o problema.” A perda é de cerca de 10% do valor do carro ao ano.

O educador orienta ainda ao que poderia sim ser uma “pequena armadilha”, segundo ele. “Consumidores desatentos podem achar que a parcela reduzida é a mesma para todo o período de contrato. Mas o aumento de 7,88 vezes ou 688%, como no caso do exemplo avaliado anteriormente [da promoção da Peugeot], pode comprometer muito o orçamento a partir do segundo ano e forçar renegociações.”

Veja dicas para não cair em cilada na hora de comprar um carro, em qualquer situação:

. Sempre faça a conta do total a pagar (soma das parcelas).

. Verifique na tabela Fipe quanto vale um modelo com a mesma idade de seu financiamento.

. Nunca compre apenas porque a parcela cabe no bolso.

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. Poupe primeiro e compre depois. Pagando à vista, você pode ter bons descontos.

. Se tiver que financiar, some a parcela às demais que você já paga em outros financiamentos.

. A soma deve ficar abaixo de 20% de sua renda líquida. Em hipótese alguma ultrapassar 30%.

. Em caso de parcela reduzida no início do contrato, programe-se para um acréscimo considerável do valor após o prazo combinado: isso pode destruir o orçamento e levar ao endividamento.

. Lembre de somar 2% do preço total do veículo ao valor da parcela mensal. Esta é a média de gastos que terá com o carro, considerando combustível, seguro, licenciamento, DPVAT, IPVA, fora eventual manutenção e até uso de franquia do seguro e a depreciação.

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Fonte: Mauro Calil, fundador da Academia do Dinheiro; Reinaldo Domingos, presidente da Abefin e autor do canal Dinheiro à Vista.