O varejo brasileiro se prepara para uma pisada no freio ao longo dos próximos meses, após um ano em que ocupou posição de destaque na economia doméstica.
O cenário de menor disponibilidade de crédito e esperado aumento da taxa de juro revela, neste início de 2011, que o consumidor já se prepara para financiar menos e, portanto, reduzir as compras de produtos de maior valor.
No mês passado, o número de pessoas que procurou crédito cresceu 12,9 por cento ante janeiro de 2010, atingindo a menor taxa de expansão anual em seis meses, conforme dados da Serasa Experian.
Nesse cenário, analistas apostam que empresas de alimentos, vestuário e cosméticos serão as mais beneficiadas pelo consumo.
"Empresas que atuam com bens de maior valor agregado serão as mais prejudicadas porque dependem de financiamento. O varejo de vestuário e os supermercados não devem ser impactados", prevê o analista Cauê Pinheiro, da corretora SLW.
O analista do BB Investimentos, Mário Bernardes, concorda e cita também como viés positivo os setores de perfumaria e cosméticos. "Vejo cenário muito bom para produtos de tíquete mais baixo. Já o setor que mais vai sofrer é o de eletroeletrônicos", afirma.
No ano passado, as vendas de eletrodomésticos, por exemplo, foram impulsionadas pela redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e pela "torneira do crédito aberta", acrescenta Bernardes.
Para ele, entre as empresas listadas em bolsa, a B2W --dona dos sites Americanas.com, Submarino e Shoptime-- deve ser a mais prejudicada ao longo do ano.
"O acirramento da concorrência e as margens muito pressionadas (da B2W) vão impactar as ações", assinala.
Os papéis da B2W acumulam queda de quase 15 por cento no ano até o fechamento de 11 de fevereiro, enquanto as ações do Pão de Açúcar e da Lojas Americanas, que também atuam em eletroeletrônicos, tiveram baixa de 10,7 e de 13,8 por cento, respectivamente. O Ibovespa, no período, teve variação negativa de 5,1 por cento.
Na visão do analista Renato Prado, da Fator Corretora, o movimento sinaliza um ajuste realizado por investidores.
"(O setor) não vai deixar de crescer, só vai crescer menos. O mercado tende sempre a se antecipar. A queda das ações reflete ajuste de ganhos (do ano passado) e a saída de investidores, estrangeiros em sua maioria", diz ele.
A Abras --associação que representa os supermercadistas no país-- espera uma desaceleração do crescimento de vendas para este ano, com previsão de alta de 4 por cento para o faturamento do setor. Em 2010, o aumento foi de 4,2 por cento.
A menor intenção de compra este ano foi apontada em pesquisa realizada pelo Programa de Administração do Varejo (Provar), da Fundação Instituto de Administração (FIA).
Segundo o levantamento, o índice de pessoas que pretendem comprar no atual trimestre caiu de 76,2 por cento, nos últimos meses de 2010, para 71,8 por cento.
Para o presidente do conselho do Provar, Claudio Felisoni de Angelo, a desaceleração era esperada e indica "que os efeitos da política de contenção da demanda agregada já se fazem sentir".
Em dezembro, o Banco Central tomou um conjunto de medidas que incluiu a elevação do compulsório sobre depósitos à vista e a prazo, como forma de conter o crédito, esfriar a demanda e segurar a inflação. Em janeiro, o BC elevou a taxa básica de juro em 0,50 ponto percentual, para 11,25 por cento ao ano.
Recomendações
Para este ano, as apostas de analistas que acompanham varejistas na bolsa se voltam sobretudo para ações de empresas de vestuário, cosméticos e calçados.
Embora acumule queda de 9,7 por cento no ano até sexta-feira, a Lojas Renner figura entre as preferências dos profissionais, que recomendam manutenção dos papéis da empresa.
"Renner subiu muito no ano passado e voltou a subir em fevereiro", afirma Bernardes, do BB Investimentos, ponderando que a queda reflete mero ajuste de preço.
Fora do Ibovespa, ele recomenda as ações da Grendene, no setor de calçados.
Prado, da Fator, sugere manter os papéis de companhias que tiveram fortes resultados em 2010. Isso inclui, Marisa, Guararapes e Hering, além da própria Renner.
"O crescimento será em velocidade menor... É só questão de precificação", diz Prado, que recomenda compra para as ações de Pão de Açúcar e Lojas Americanas.
A SLW, por sua vez, aposta, além de Renner, em Natura e "embora com menor volume e liquidez, Alpargatas", segundo o analista Pinheiro.