Medidas de estímulo ao crédito tiveram efeito limitado
As medidas de incentivo ao crédito, anunciadas pelo governo em julho e agosto de 2014, podem ter contribuído para uma leve recuperação das vendas de carros nos meses seguintes, mas não mudaram o panorama do mercado. Com bancos autorizados a usar parte do compulsório para financiar automóveis e com menos restrições aos empréstimos de longo prazo, os juros tiveram pequena queda e o prazo médio de pagamento, uma leve alta a partir de setembro. Mas nenhum dos indicadores retornou aos níveis de 2013, mais favoráveis ao consumidor.
"O financiamento tem relação muito estreita com o crescimento econômico e a confiança do consumidor, que não vai tomar crédito se não tiver a certeza de que continuará empregado", diz Marcus Lavorato, gerente de relações institucionais da unidade de financiamentos da Cetip, que consolida os dados do crédito automotivo. "Em 2014, o crescimento foi zero e a confiança caiu aos menores níveis desde 2008. Essas são as duas variáveis mais importantes para o rumo dos financiamentos em 2015."
Mais fôlego
O presidente da Fenabrave, Altarico Assumpção Júnior, disse ontem esperar que uma lei que facilita a retomada de veículos de inadimplentes, em vigor desde novembro, "poderá dar um pouco mais de fôlego ao mercado, já que os bancos terão mais segurança para conceder crédito". Lavorato espera efeitos positivos da lei, mas apenas no longo prazo.
As vendas de veículos no Brasil caíram pelo segundo ano seguido em 2014, e não dão sinais de que vão reagir em 2015. A Fenabrave, representante das concessionárias, informou ontem que o mercado de automóveis, utilitários, caminhões e ônibus sofreu uma retração de 7,2% no ano passado, depois de ter recuado 0,9% em 2013. Para este ano, a projeção da entidade é de nova baixa nas vendas, de 0,5%.
INFOGRÁFICO: Veja o número de novos financiamentos
Segundo especialistas, vários fatores indicam que o varejo automotivo tem pela frente um ano tão difícil quanto 2014. "Ou até um pouco pior", diz David Wong, diretor da consultoria AT Kearney. "O cenário do primeiro semestre é muito cinzento. A alta do dólar vai elevar os custos da indústria e os preços ao consumidor. A economia não vai crescer muito. E o crédito, embora exista, tende a continuar restrito, com bancos muito seletivos. Quem mais precisa de crédito, que é o consumidor de renda mais baixa, não consegue a liberação."
Segundo Wong, um dos poucos fatores que podem garantir algum volume de vendas nos primeiros meses do ano são os veículos com alíquota reduzida de IPI que ainda não foram vendidos são carros licenciados pelas próprias montadoras no fim do ano passado, para aproveitar a tabela antiga. A estimativa da Fenabrave é de que o estoque de automóveis com imposto menor seja equivalente a pelo menos 35 dias de vendas.
Dezembro
A proximidade do fim do desconto provocou uma corrida de consumidores às lojas em dezembro, que terminou como o terceiro melhor mês de vendas da história. Trata-se de um movimento de antecipação de compras já bem conhecido do setor, e que pode ter efeitos negativos em 2015. "A partir da crise de 2008, em várias ocasiões o governo recorreu à redução do IPI ou à queda das taxas de juros para estimular o consumo. Isso fez os consumidores anteciparem compras, e se endividarem, o que reduziu a demanda futura", lembra Leandro Mattera, da consultoria automotiva Carro e Dinheiro.
Para ele, a estagnação da economia e a inflação alta apesar da queda de vendas, os automóveis estão ficando mais caros devem continuar afetando a confiança dos consumidores. Com medo do desemprego, a tendência é de que muitos brasileiros evitem grandes despesas ou dívidas de longo prazo.
Com tantos fatores negativos em jogo, o mais provável é que o mercado persista num ciclo definido como "novo normal" pelo consultor René Martinez, sócio da Ernst & Young. "Tivemos cinco anos seguidos de crescimento de dois dígitos antes de 2010. Depois, houve momentos melhores e piores, com muita volatilidade. Mas, se olharmos para o volume de vendas, o atual é muito semelhante ao de 2010. Esse é o novo normal", diz.
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