As quatro ferrovias administradas pela América Latina Logística (ALL), maior concessionária da América do Sul, voltaram no tempo. Em quatro anos, a velocidade dos trens que circulam pela malha da empresa despencou, em média, 50% e atingiu níveis próximos aos do período pré-privatização. Além de contribuir para a queda da produtividade, a redução é um obstáculo à competitividade e à expansão do setor ferroviário.
Até 2010, empresa era reconhecida como modelo de eficiência
A mesma ALL que regrediu os níveis de velocidade de sua malha ferroviária ao período “pré-privatização” já foi sinônimo de eficiência no setor. A empresa teve origem, em 1997, com a aquisição de ferrovias estatais sucateadas e teve como primeiro investidor o GP Investimentos, dos criadores da Ambev, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. Eles transferiram para a companhia a obsessão por lucro e eficiência que sempre nortearam seus negócios e fizeram com que, em dez anos, a ALL se tornasse a maior operadora logística de trens da América Latina.
Mas a falta de investimento na malha, por parte da empresa e do governo federal, fizeram o projeto de “empresa modelo” degringolar. Os primeiros sinais de que algo não ia bem começaram a aparecer quando se tornaram públicas as reclamações de clientes por descumprimento de contratos – o que coincidiu com uma sucessiva troca de presidentes.
Quem esteve à frente da empresa em seu melhor momento – de 2005 a 2010 – foi o carioca Bernardo Hees. Ele deixou a ALL para virar sócio da 3G Capital, dos mesmos fundadores da Ambev, e assumir o comando global da rede de fast food Burger King. Hoje ele está à frente da empresa que vai se originar da mega fusão entre a Heinz e a Kraft Foods. Desde que Hees saiu da ALL, passaram por lá três presidentes.
A piora dos números da ALL, que no ano passado anunciou sua fusão com a Rumo Logística, do Grupo Cosan, começou a se desenhar em 2009. Naquela época, sob a filosofia de administração da gestora GP Investimentos, a empresa ainda vendia a imagem de modelo de eficiência e modernidade. A velocidade média das ferrovias variava de 23,40 quilômetros por hora (km/h) a 31,07 km/h.
Mas, depois de uma série de fiscalizações feitas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a velocidade média passou a cair gradualmente ano após ano. Em 2013, último dado constante no Anuário 2014 da agência reguladora, a velocidade passou a variar entre 13,36 km/h e 14,85 km/h. A queda foi uma determinação da agência reguladora para preservar a segurança do tráfego ferroviário e reduzir riscos para a sociedade.
A partir de 2010, o número de acidentes nas quatro malhas da ALL aumentou e atingiu o pico em 2011. Em 2009, foram 167 ocorrências; em 2011, 401; e, em 2013, 389. Em termos relativos, no entanto, considerando a movimentação de trens, o índice de acidentes melhorou ou ficou estável em alguns trechos, segundo os dados da ANTT.
Qualidade da via
Pelo manual da agência reguladora, a velocidade de uma ferrovia precisa ser reduzida se a fiscalização detecta que a qualidade da via permanente (trilhos, dormentes, pontes e túneis) está inadequada. Nos bastidores, especialistas afirmam que a situação da malha da ALL se deteriorou nos últimos anos por falta de manutenção adequada. Segundo relatório da ANTT, entre 2009 e 2013, a empresa investiu R$ 3 bilhões nas quatro malhas administradas – sendo parte desses recursos na expansão da Malha Norte, em Mato Grosso.
A dimensão da queda na velocidade das ferrovias da ALL é espantosa, chama muita atenção. Não é cair de 30 km/h para 25 km/h. É de 30 km/h para 13 km/h.
O professor da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende, lembra que os comboios puxados pelas locomotivas têm cada vez mais vagões para aumentar a produtividade das empresas. A prática, por si só, já exigiria uma redução da velocidade por questões de segurança. Junta-se a isso o fato de as vias não serem preparadas para aguentar tamanho sobrepeso e também a falta de investimento por parte do governo, que deveria eliminar gargalos importantes, como a travessia de centros urbanos. O resultado é o que se vê nos relatórios da ANTT.
“A dimensão da queda na velocidade das ferrovias da ALL é espantosa, chama muita atenção. Não é cair de 30 km/h para 25 km/h. É de 30 km/h para 13 km/h”, afirma o presidente da consultoria Inter.B, Cláudio Frischtak, especialista em infraestrutura. Na opinião dele, os números são indícios de “sub-investimento” na malha ferroviária.
Em quatro anos, ALL sofreu 300 autuações
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) abriu 300 processos de autuação contra a América Latina Logística (ALL) nos últimos quatro anos, entre 2010 e 2014. Na média, cada punição é da ordem de R$ 200 mil, o que significa dizer que a empresa foi multada em cerca de R$ 60 milhões por descumprir algum tipo de determinação da agência reguladora ou do contrato de concessão.
A maioria dos recursos, no entanto, nunca entrou na conta da ANTT, pois todos os processos estão na Justiça. Por não concordar com a decisão, a empresa tem por princípio questionar as multas judicialmente. Com uma liminar em mãos, ela faz os depósitos em juízo e consegue suspender as determinações da agência. Por isso, mesmo com as autuações, a companhia continua não corrigindo erros apontados pela ANTT, afirma um executivo que já prestou serviços para a ALL.
Para o presidente da consultoria Inter.B, Cláudio Frischtak, a atual situação da companhia pode ser resultado da forma agressiva com que os administradores da empresa operam a malha. “Eles podem estar operando o sistema além do limite. Ou seja, eles estressam os ativos até o limite”, avalia. Os investimentos abaixo do necessário podem estar se traduzindo em queda na velocidade dos trens.
Outras ferrovias
Entre 2009 e 2013, o resultado das demais ferrovias do Brasil teve comportamento diferente. Algumas apresentaram ligeira melhora ou ficaram estáveis, como a Estrada de Ferro Vitória-Minas, da mineradora Vale.
Outras registraram queda na velocidade, mas não na mesma dimensão da ALL.
OUTRO LADO
Em nota, a ALL afirma que a premissa básica de sua operação é a segurança ferroviária. “A expansão dos centros urbanos em torno das linhas, a dificuldade de obtenção das licenças para os investimentos nos acessos ao porto, o aumento do volume transportado e a maior circulação de trens exigem que a velocidade média seja reduzida para manter o tráfego dentro das condições de segurança exigidas.” Agora, após a fusão com a Rumo, a ALL promete pôr em prática um plano de investimentos de cerca de R$ 8 bilhões até 2020 para duplicar alguns trechos ferroviários, eliminar gargalos, comprar novas locomotivas e vagões.
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