Dentro de dois meses, uma nova forma de pagar as contas de pessoas físicas e jurídicas estará disponível no mercado: o sistema da Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) começará oficialmente a emitir Débito Direto Autorizado, ou simplesmente DDA. Esse está sendo considerado um primeiro passo no caminho para eliminar o boleto bancário da forma que se conhece hoje e que, nos anos 90, representou a primeira "revolução" no sistema de pagamentos.
Apesar da proximidade do nome, o novo sistema não tem nada a ver com o serviço de débito automático de faturas. O DDA prevê que, em vez de receber as cobranças na porta de casa, o cliente bancário as tenha disponíveis no sistema eletrônico da CIP, diretamente vinculado ao seu CPF ou CNPJ, e poderá acessá-las pelos meios bancários normais internet banking, auto-atendimento físico, telefone ou diretamente nas agências.
Com isso, em três anos, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) espera automatizar e eliminar a geração em papel de até 50% das mensalidades de planos de saúde, prestações, faturas de cartão de crédito, financiamentos de casas e veículos, entre os vários outros tipos que fazem parte do sistema de pagamento cotidiano. Em 2008, essas cobranças geraram cerca de 2 bilhões de boletos de papel, número que pode ser traduzido em 1 bilhão de litros de água, 46 milhões de KW/hora e milhões de quilogramas de dióxido de carbono.
Primeiro, as empresas
Apesar de ter também as pessoas físicas como público-alvo, existe a avaliação de que, em curto prazo, o novo sistema vá beneficiar diretamente as empresas até porque relação de serviços bancários entre pessoas jurídicas é muito grande em comparação à pessoa física. A diretora de Produtos Empresariais do Itaú Unibanco, Sandra Boteguim, diz que no primeiro momento o DDA será um produto voltado principalmente para grandes empresas pagadoras (consumidoras de serviço), mas também afeta diretamente a indústria e o comércio de modo geral pela afinidade que os setores de contabilidade já detêm com os sistemas bancários eletrônicos.
"Estimamos que praticamente 9 em cada 10 empresas resolvem suas transações bancárias direto por meio eletrônico. Elas devem sentir primeiro a infinidade de vantagens do DDA. Nas apresentações que temos feito, quase todos os empresários aderem logo em seguida o sistema não tem muito segredo, é apenas a evolução natural dos serviços bancários. O sistema financeiro ficará melhor em qualidade e em velocidade", diz. Segundo Boteguim, que integra o comitê gestor de infraestrutura do sistema, hoje o fluxo de cobrança desde a emissão dos boletos pelo cedente até a chegada ao sacado dura de 5 a 8 dias, incluindo o período de postagem. A partir do DDA, esse ciclo comercial pode ser reduzido para dois dias.
Para o DDA chegar à pessoa física, o professor de Gestão em Tecnologia da Informação da Veris IBTA, faculdade do Grupo Ibmec Educacional, Ricardo Castro diz que o gargalo é parecido com o que se tem hoje no acesso ao serviço bancário via celular (mobile banking). "Desde 2003 esse serviço está disponível, hoje há como operar na Bolsa de Valores de Nova Iorque diretamente do telefone. Mas na verdade poucas pessoas usam esse serviço, ao mesmo tempo que são poucos (e caros) os aparelhos que permitem a instalação de aplicativos para isso", diz.
Por isso, ele enxerga a tendência de que o novo sistema alcance primeiro as classes A e B, que têm mais acesso à tecnologia e maior educação para lidar com ela. Ele admite que é preciso um tempo para a adaptação, no entanto ressalta que a tal educação tecnológica está evoluindo bem na sociedade. "O próprio cartão de crédito sofreu preconceito durante muito tempo", diz, lembrando que hoje o dinheiro de plástico já está mais concentrado nas mãos da classe C. Mesmo entre as pessoas mais maduras há quem já se desprendeu da necessidade de um boleto impresso no papel e das filas de banco. "Hoje a geração que está com 40 anos já têm desenvoltura para usar internet banking e aceitar as demais facilidades tecnológicas", diz.
Exceções
Nem todos os tipos de boleto ganharão sua versão eletrônica nesta primeira etapa de implantação do DDA. As cobranças de concessionárias de serviços públicos e de tributos demandam uma integração de mais entidades no sistema. "Organizar informações de prefeituras e governos é complicado. Partimos do princípio de que o bom é inimigo do ótimo para lançar o sistema sem as concessionárias e os tributos, porque senão corríamos o risco de inaugurá-lo só em 2012. No futuro, o leque pode ser ampliado", diz a diretora do Itaú Unibanco, Sandra Boteguim.
Também ficarão de fora neste momento os chamados documentos de "cobrança sem registro", que no jargão bancário representa aqueles boletos feitos pela própria empresa, sem ser encaminhados aos bancos e distribuídos pelos correios. É o caso de escolas ou condomínios, por exemplo, que elaboram o próprio boleto e o distribuem diretamente ao condômino ou ao estudante. "Esses pequenos clientes devem demorar mais para perceber as funcionalidades e migrar para o DDA", avalia.