A partir de 5 de maio, nenhum brasileiro precisará ficar preso a uma dívida com juros mais altos do que ele sabe que poderia pagar. É quando entrará em vigor uma norma aprovada em dezembro pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para regularizar a chamada portabilidade de crédito. A intenção é que essa transferência de dívidas que já existe, mas está totalmente sujeita às vontades do mercado passe a ser um serviço usual e eletrônico. Dessa forma, o devedor poderá negociar essa compra da dívida com outra instituição que oferecer juros mais baixos. A nova operação não poderá ter saldo devedor e número de parcelas faltantes acima dos da dívida original e nem onerar o consumidor.
Entenda como funciona a portabilidade de crédito
Obstáculos
A princípio, a instituição da dívida não pode se negar a vendê-la. Existem, porém, obstáculos para a eficácia da regulamentação. Um deles tem a ver com o atual cenário econômico, definido por crédito mais escasso e juros altos. É possível que, assim como os bancos estão menos dispostos a oferecer crédito, também não tenham interesse em comprar novas dívidas.
"Depois da desinformação do consumidor, a maior dificuldade tem a ver com o sistema de crédito brasileiro. Os bancos não sabem calcular riscos, então procuram dificultar empréstimos ao máximo ou cobram juros altos", diz o economista Vítor Wilher, do Instituto Millenium.
Para Wilher, a medida pode ser benéfica mais tarde, em um cenário em que a política de governo para conter a inflação não alavanque a taxa básica de juros hoje, de 11% ao ano, contra os 7,5% de um ano atrás.
Faltando menos de 20 dias para a regulamentação entrar em vigor, o Banco Central e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) preferem não comentar como anda a adaptação das empresas. Para seguir a norma, as instituições precisariam investir em tecnologia para instalar e interligar os sistemas, que têm de ser autorizada pelo BC. Também ficará a cargo dos bancos divulgar o serviço em pontos visíveis dentro das agências e na internet.
Para o coordenador do curso de Administração do Ibmec Minas, Eduardo Coutinho, a soma dessas variáveis definirá o sucesso da regulamentação. "O mercado de transferência de dívidas ainda é pequeno no Brasil, apesar de estar crescendo". No início, a compra de dívidas precisará concorrer com outras operações até convencer os bancos à medida em que se revelar rentável. "Tudo que incentiva a concorrência é bom, mas é preciso que comece a funcionar para saber", diz ele.
Financiamentos e hipotecas têm lacuna
A regulamentação divulgada pelo Banco Central não deixa dúvidas sobre a possibilidade de a portabilidade ter como alvo financiamentos e hipotecas de bens, como carros e imóveis. Na prática, porém, a situação ainda quebra a cabeça do mercado. Isso ocorre porque a transferência da garantia representada pelo bem é um processo mais complicado do que a portabilidade da dívida.
As empresas tentam encontrar formas de tornar esse processo eletrônico, como dita a norma. Existe, portanto, o risco de evitarem comprar esse tipo de dívida. "O banco corre o risco de cobrir a dívida e não contar com a garantia imediatamente", diz Mary Helen Souto, superintendente da área financeira da Sorocred. "Nesse intervalo, o carro, por exemplo, pode ser roubado e não estar segurado, ou o imóvel ter sido dado de garantia em nova negociação".
O técnico de suprimentos Renato dos Santos, 50 anos, lidou com o problema. Ele tenta há mais de um ano migrar o financiamento de um imóvel contratado no HSBC para a Caixa Econômica Federal, em busca de juros menores. Segundo ele, o empecilho tem sido a garantia, mas também falta de clareza sobre se o processo será de portabilidade, como deseja, ou uma compra comum de dívida, em que o financiamento não é necessariamente mais vantajoso e a instituição credora pode se negar a negociar.
"Como fica a critério do banco, eles não são claros", reclama. Ele procurou a ouvidoria do BC, mas tem dúvidas sobre se a situação será contornada a partir de maio. À Gazeta, o HSBC informou que oferece portabilidade e que a norma servirá apenas para simplificar o processo. Já a Caixa ressaltou que não deverá priorizar a compra de crédito imobiliário, porque o seu foco é originar novos créditos. Os bancos não comentaram especificamente a dúvida de Santos.