Na Apple, Brian Latimer era responsável por proteger alguns dos maiores segredos da empresa. Depois que um engenheiro esqueceu por acidente uma versão de testes do iPhone 4 em um bar em 2010, Latimer criou um sistema para acompanhar, recuperar e destruir protótipos de produtos prestes a serem lançados. Mais tarde, ensinou os fornecedores internacionais a proteger as linhas de produção, além de compartimentalizar as informações para evitar vazamentos.
De acordo com a filosofia do “só o que é preciso saber” aplicada pela Apple, nem ele tinha acesso a boa parte das informações que ajudou a proteger. E assim como todos os funcionários da Apple, era desencorajado a conversar sobre o trabalho com os colegas.
O novo lugar onde trabalha, a Pearl Automation, não podia ser mais diferente.
Fundada em 2014 por três ex-gestores dos grupos do iPod e do iPhone, na Apple, a Pearl tenta reproduzir o que seus líderes acreditam ser as melhores partes da cultura da Apple, como a dedicação fanática pela qualidade e pelo design elegante. Contudo, os fundadores também rejeitam conscientemente alguns dos aspectos menos atraentes da vida na empresa, como o sigilo excessivo e a gestão verticalizada.
A startup, que produz acessórios de alta tecnologia para carros, realiza reuniões semanais com todos os funcionários. Os gestores falam a respeito dos próximos produtos, das finanças da empresa, de problemas técnicos e até mesmo de apresentações feitas aos diretores.
“É muito libertador saber o que está acontecendo. Todo mundo contribuiu aqui, então todo mundo precisa saber”, afirmou Latimer, que deixou a Apple em maio para se unir à Pearl.
O melhor de tudo é que ele trabalha com muitos de seus ex-colegas.
A Pearl, que é liderada por Bryson Gardner, recrutou muitos funcionários da Apple. Mais de 50 dos cerca de seus 80 funcionários trabalharam para a gigante de tecnologia de Cupertino, na Califórnia.
Embora a Apple pague muito bem, muitos dos seus funcionários se cansaram de criar apenas pequenas melhorias no iPhone e no Mac, afirmou Brian Sander, um dos fundadores e COO da Pearl. “Eles costumavam ser inovadores. Já passou da hora de fazerem algo diferente”, afirmou.
O alvo da Pearl é interessante: tornar as estradas mais seguras, oferecendo a dezenas de milhões de veículos mais antigos as opções de segurança presentes nos modelos mais novos.
“Queremos ajudar as pessoas a modernizar seus veículos sem precisar comprar um novo”, afirmou Sander.
O primeiro produto da empresa, uma câmera de ré chamada RearVision, custa US$ 500 e começou a ser entregue em setembro do ano passado. As vendas foram lentas no começo. Embora a câmera tenha sido extremamente bem avaliada, ela é muito mais cara que os modelos oferecidos pelos concorrentes. A Amazon.com e a Crutchfield baixaram temporariamente o preço para US$ 400 em dezembro.
Gardner não quis revelar dados específicos sobre as vendas, mas afirmou que a Pearl lançou o produto tarde demais para chegar às lojas físicas a tempo das vendas de Natal.
Entretanto, assim como a Apple, a Pearl tem visão de futuro. Os engenheiros estão testando tecnologias de estacionamento automatizado e outras ferramentas de direção autônoma para os próximos produtos. A empresa arrecadou US$ 50 milhões com a ajuda de importantes firmas de capital de risco, incluindo a Accel, a Shasta Ventures e a Venrock, mas Gardner afirmou que precisaria de mais dinheiro em 2017.
A sede da Pearl – em um complexo de escritórios entre bosques de sequoias e as praias de Santa Cruz – não tem quase nada em comum com o campus da Apple no Vale do Silício.
Contudo, a influência da empresa é clara.
A Apple, que conta com cerca de 110 mil funcionários, divide projetos enormes em pequenas tarefas. Essas tarefas são distribuídas entre equipes reduzidas, e cada subtarefa fica a cargo de um funcionário – o que a Apple chama de “indivíduo diretamente responsável”.
A Pearl copiou esse sistema. “A liderança de equipes pequenas é muito mais eficaz”, afirmou Gardner.
Além disso, a Pearl também importou a abordagem disciplinada da Apple em relação à engenharia. Os prazos são estabelecidos regularmente e as falhas são incansavelmente investigadas. “Por que ocorreu esse erro? É preciso compreender cada problema profundamente”, afirmou Gardner.
Outra marca registrada da Apple – o design elegante – também é um valor central. “Estamos criando algo que conta com a qualidade da Apple em termos de acabamento e precisão”, afirmou Sander.
Ao contrário dos modelos concorrentes, o RearVision conta com duas câmeras de alta definição que oferecem uma imagem melhor. Além disso, uma das câmeras é adaptada para visão noturna. Elas são instaladas em uma moldura na placa do carro e funcionam com um gerador alimentado por luz solar, que fica escondido no painel. As imagens são transmitidas por wireless para um adaptador que se conecta à entrada de diagnóstico do carro, ao lado do volante. As imagens são exibidas por meio de um aplicativo instalado no celular do motorista. Isso permite que a empresa faça atualizações frequentes no software, resolvendo bugs e acrescentando novas opções.
Chrissy Meyer, diretora de desenvolvimento de hardware da Pearl e outra ex-funcionária da Apple, afirmou que a equipe testou 19 variações da moldura para a placa do carro, incluindo tons de preto, com e sem pintura metálica. (“O visual é muito diferente sob a luz”, afirmou).
Assim como a Apple, a Pearl lida com dezenas de fornecedores, em sua maioria na Ásia, para obter os 400 componentes necessários para a produção da RearVision.
“Estávamos habituados a fazer isso com o iPhone e o iPad”, afirmou Joseph Fisher, um dos fundadores da Pearl e chefe de engenharia. Na verdade, a equipe da Pearl aproveitou muitos dos fornecedores com os quais trabalhavam na época da Apple.
Contudo, os líderes também rejeitaram a visão segundo a qual apenas os executivos do alto escalão devem ter uma visão geral da empresa.
O famosos executivo-chefe da Apple, Steve Jobs, controlava os mínimos detalhes a respeito dos produtos. Quando deixou o cargo em 2011, seu poder foi distribuído entre mais executivos, mas as decisões continuaram a ser extremamente centralizadas.
“Na Apple, poucas pessoas decidem o que precisa ser feito e todo o resto só coloca as decisões em prática”, afirmou Rishabh Bhargava, diretor de hardware da Pearl, que já trabalhou no iPod e no iPhone.
Na Pearl, segundo ele, a equipe de engenharia pode debater a respeito dos produtos e funcionalidades, além do design.
A Apple, apesar de todo o seu sucesso na criação de telefones e computadores, gerou pouquíssimas startups como a Pearl nos últimos anos, especialmente se comparada a outras gigantes como o Google e o Facebook.
Eswar Priyadarshan, que vendeu sua empresa de propaganda em celulares, a Quattro Wireless, para a Apple em 2010 e continuou por mais quatro anos, afirmou que aprendeu sobre design e estética quando estava na empresa. Contudo, destacou que os altos salários pagos, seu foco em missão dos produtos e a tomada de decisões verticalizada praticamente impedem que seus funcionários tentem abrir outra empresa.
Priyadarshan, que é executivo-chefe da BotCentral, startup de seis funcionários, comparou a Apple a uma comunidade de monges guerreiros. “Os monges guerreiros não falam e fazem tudo o que lhes é ordenado”, afirmou.
A Nest Labs, a empresa mais bem sucedida criada por veteranos da Apple nos últimos anos, nasceu em parte porque seus fundadores, Tony Fadell e Matt Rogers, foram informados de que a Apple não tinha interesse em seu termostato inteligente.
“Era um bom lugar pra trabalhar: muito crescimento, ótimos produtos, muita inovação. Contudo, a Apple está muito centrada em produzir o próximo iPhone para o próximo Natal”, afirmou Rogers, que continuou na Nest após sua venda para a Alphabet por US$ 3,2 bilhões em 2014.
A Nest teve muitos problemas desde que foi vendida para o Google, incluindo conflitos de gestão, atrasos no lançamento de produtos e crescimento irrisório antes da saída de Fadell em junho.
Mas Rogers, que trabalhou com alguns dos fundadores da Pearl na Apple e faz parte do conselho diretivo da empresa, afirmou que a startup absorveu muitas das lições positivas da Nest: recrutar pessoas do alto escalão da Apple, controlar hardware e software, estabelecer uma cultura aberta, e manter os produtos sempre atualizados.
A Apple não parece nutrir sentimentos ruins em relação à Pearl, mesmo que a empresa recrute muitos funcionários importantes.
“A Pearl Auto é um ótimo exemplo da criatividade e inovação por trás do ecossistema do iPhone. Desejamos muito sucesso a seu novo produto”, afirmou Josh Rosenstock, porta-voz da Apple.