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Enquanto tenta aprovar no Congresso uma reforma nos impostos sobre consumo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou uma série de dispositivos aprovados pelo Legislativo que ajudariam a simplificar a atual estrutura de obrigações tributárias acessórias.
Ao sancionar o Projeto de Lei Complementar (PLP) 178/2021 na forma da Lei Complementar 199/2023, no dia 1.º, o chefe do Executivo impôs 11 vetos ao texto. A lei institui o Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias, que em tese permitiria a redução de custos e tempo gastos por empresas para o cumprimento de exigências do Fisco – objetivos esses prejudicados por vetos de Lula.
Entre as inovações promovidas pelo PLP aprovado na Câmara e no Senado e que foram vetadas pelo presidente estavam a instituição da Nota Fiscal Brasil Eletrônica (NFB-e), que substituiria todas as atuais notas fiscais estaduais por uma única obrigação, e da Declaração Fiscal Brasil (DFDB), que unificaria a base de todos os tributos federais, estaduais, distritais e municipais, em um único documento.
Também estava prevista a criação do Registro Cadastral Unificado (RCU), vinculado ao Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) que teria validade em todo território nacional, dispensando a necessidade de inscrição estadual em cada unidade federativa.
O governo ainda dificultou a criação do Comitê Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias (CNSOA) ao vetar a participação de membros da sociedade civil e a previsão de prazo de 90 dias para sua constituição.
"Ele simplesmente desmembrou, esquartejou, um projeto que seria muito bom para as empresas brasileiras. Desfigurou completamente", diz João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). "A lei ajudaria a estimular o crescimento econômico e proporcionar um ambiente mais favorável nos negócios. Tudo isso foi jogado por terra com esses vetos".
Governo diz que novas regras aumentariam custos
Em mensagem ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o chefe do Executivo argumenta que a criação da NFB-e, da DFDB e do RCU poderiam aumentar os gastos das empresas no cumprimento das obrigações tributárias, além de gerar custos financeiros para a sociedade e para a administração pública, "devido à necessidade de evoluir sistemas e aculturar a sociedade a novas obrigações".
Além disso, afirmou que a simplificação dos documentos fiscais deve ser realizada "de maneira estruturada e em observância aos princípios da eficiência e da economicidade".
Conforme a carta, o indeferimento dos dispositivos levou em consideração manifestação do Ministério da Fazenda.
Para o veto do dispositivo que incluía membros da sociedade civil no CNSOA, o argumento foi de que a presença de membros alheios às administrações tributárias poderia prejudicar o sigilo fiscal e a preservação de informações protegidas por lei.
Já a exigência para que o comitê fosse criado em até 90 dias a contar da publicação da lei foi excluído do texto da lei porque, segundo o presidente, incorreria em vício de inconstitucionalidade, uma vez que a determinação de prazo para o Executivo violaria a separação e a independência dos Poderes da União.
Na semana passada, o IBPT divulgou um manifesto contra os vetos presidenciais aos dispositivos da nova lei. O texto ressalta que "no contexto da reforma tributária", "a adoção da NFB-e e da DFDB seria crucial".
"Com um único modelo de nota fiscal, os empresários e contribuintes teriam uma redução significativa nas obrigações acessórias, o que implicaria em uma gestão tributária mais simples e menos onerosa. A consolidação dessas obrigações em um sistema digital moderno traria maior segurança jurídica e facilitaria o cumprimento das obrigações tributárias", diz trecho do documento.
Segundo cálculos da entidade, em 2022 foram gastos R$ 207 bilhões – o equivalente a 1,5% do faturamento das empresas – apenas para o cumprimento de obrigações acessórias. Ao todo, desde a promulgação da Constituição de 1988, o IBPT contou cerca de 466 mil normas tributárias, das quais 38 mil federais, 154 mil estaduais e 274 mil municipais.
"Obrigação acessória é toda aquela exigência que recai sobre o contribuinte para além da necessidade de se pagar o tributo", explica Olenike. "Você precisa levar esse tributo até os cofres públicos e demonstrar para o próprio Fisco como você fez para chegar àqueles valores. Isso se traduz em declarações, guias, formulários etc., que a gente chama de custo de conformidade, que fica para as empresas".
De acordo com o relatório Doing Business 2021, publicado pelo Banco Mundial, companhias brasileiras gastam entre 1.483 e 1.501 horas por ano apenas para preparar, declarar e pagar impostos – o maior tempo entre 190 economias do mundo.
Parlamentares articulam derrubada dos vetos no Congresso
Agora, deputados e senadores de duas das maiores frentes parlamentares do Congresso se organizam para derrubar os vetos à lei. Segundo o jornal "O Estado de S. Paulo", o autor da proposta, senador Efraim Filho (União Brasil-PB), esteve reunido com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no dia 2 e teria avisado sobre a tendência do Legislativo reverter a decisão do presidente.
“Acredito que teremos muitas chances de conseguir essa derrubada e eu disse isso a ele. Foi um projeto aprovado quase na unanimidade na Câmara e no Senado porque se viu que era um projeto de ganha-ganha”, disse o senador à publicação.
Segundo o parlamentar, Haddad teria defendido o diálogo e afirmado que faria uma ponte com o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas. “Foi a Receita que estimulou esses vetos”, afirmou o parlamentar.
Servidores do órgão de fato defendem os vetos. O Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), em nota, declarou considerar que a nova legislação “invade iniciativas privativas do Executivo, e que não observou cautelas necessárias em sua elaboração pelo Congresso”.
“Os vetos do presidente Lula, principalmente a esses dispositivos, auxiliam na preservação da independência decisória dos agentes públicos e da moralidade pública, algo essencial para a construção de um Estado democrático e menos desigual”, observou a entidade.
De acordo com o "Estadão", tanto a Frente pelo Brasil Competitivo, composta por 206 parlamentares, quanto a Frente do Empreendedorismo (FPE), que reúne 240 legisladores, trabalharão pela derrubada dos vetos.