A reforma da Previdência poderá ajudar destravar a economia brasileira, mas não é condição suficiente para garantir a volta do crescimento, apontam economistas ouvidos pela Gazeta do Povo e por agências de notícias. O PIB do primeiro trimestre encolheu 0,2% em comparação com o período anterior, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o primeiro resultado negativo após oito trimestres de recuperação da atividade econômica.
O economista-chefe do banco Santander, Maurício Molon, afirmou que a reforma da Previdência é fundamental, mas não é tudo. Ele aponta que a reforma tributária, por exemplo, pode ser considerada até mais importante, pois sua aprovação teria o efeito positivo de ajudar na recuperação da confiança, especialmente dos investidores. Concessões e privatizações também seriam bem-vindas.
Uma variável que também preocupa é o risco de recrudescimento da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, as duas maiores economias mundiais, aponta Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Ativa Investimentos. O principal impacto é o aumento no risco de desaquecimento global. Até agora, o FMI projeta que a economia global deverá crescer 3,3% neste ano.
As expectativas para o crescimento da economia brasileira vem caindo há 13 semanas seguidas segundo o Relatório Focus, pesquisa semanal feita pelo Banco Central junto a instituições financeiras. O último, divulgado na segunda, sinalizava para um crescimento de 1,23% do PIB.
Mas a expectativa é de que os números caiam mais. Bancos já sinalizam para um crescimento inferior ao dos últimos dois anos, quando a economia cresceu, em média 1,1%. O Citibank reviu sua previsão de 1,4% para 0,9%; o Rabobank estima uma expansão de 0,7% na economia brasileira e a Guide Investimentos, 0,8%.
“É hora de olhar para frente, já que 2019 está dado”, diz Álvaro Bandeira, economista-chefe do banco digital Modalmais.
Perda de confiança
Molon, do Santander, destacou que a perda da confiança de investidores e consumidores tem contribuído para o fraco desempenho da economia neste ano. Outros fatores, segundo ele, também têm pesado para o baixo crescimento, como o desemprego e a lenta recuperação na concessão de crédito.
E os dados divulgados até agora não indicam uma melhora no cenário econômico no curto prazo. Segundo Aloísio Campelo Jr., superintendente de estatísticas públicas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), do ponto de vista das expectativas de consumidores e empresários, a situação tem piorado.
As sondagens de confiança de diferentes setores referentes a maio, compiladas pela instituição, indicam recuos para patamares anteriores à eleição de 2018, quando o quadro de incerteza no país era muito elevado.
"Os novos resultados mostram que os efeitos de lua de mel com o novo governo já foram totalmente anulados. Esse retorno a patamares anteriores à eleição mostra uma situação ainda pior do que naquele momento, porque a incerteza agora não deveria ser tão grande."
Aloísio Campelo, superintendente de estatísticas públicas do Ibre/FGV
A leitura dos números das sondagens é que tanto consumidores quanto empresários mostram grande receio de gastar dinheiro em um horizonte de tempo de três a seis meses. "Podemos estar vivendo uma transição de um nível de pessimismo moderado para outro realmente mais forte", afirma o economista.
O fraco desempenho da economia brasileira não assustou o mercado financeiro nesta quinta. “Esse cenário já estava previsto”, aponta Freitas, da Ativa Investimentos. O Ibovespa retomou o patamar de 97 mil pontos, fechando em alta de 0,92%. E o dólar se manteve estável em R$ 3,98.
Segundo Glauco Legat, analista-chefe da Necton Investimentos, o resultado é fruto dos investidores domésticos, que já dão como certa a aprovação da reforma, com o Legislativo assumindo a responsabilidade pela mudança.
E quanto maior for a economia gerada pela reforma da Previdência, mais forte pode ser a retomada na confiança da economia, diz Bandeira. “Ela precisa ser boa e vir em um prazo razoavelmente curto”, enfatiza. A proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, prevê uma economia de R$ 1,1 trilhão em um prazo de dez anos.
O economista-chefe do Modalmais avalia que a reforma na Previdência pode ser porta de entrada para outras mudanças que deem um alívio à economia, como, por exemplo, a reforma tributária e a desestatização.
Fraco crescimento
O fraco desempenho na economia foi puxado pela queda no nível de atividade da agropecuária (-0,5%) e da indústria (-0,7%). Esta foi fortemennte impactada pela crise na Argentina, a tragédia de Brumadinho e os elevados índices de desemprego e subemprego. Os serviços cresceram 0,2%, de acordo com o IBGE. “Isto se reflete em um consumo familiar de menor valor”, ressalta Bandeira.
Uma variável fortemente dependente da confiança e que veio fraca foi o investimento, que caiu 1,7% no comparativo entre o último trimestre de 2018 e o primeiro de 2019. “A retomada dos investimentos privados está vinculada à aprovação das reformas e o setor público não tem disponibilidade para investir.”
O que é certo, diz Freitas, da Ativa Investimentos, é que há uma fragilidade na recuperação pós-recuperação. No primeiro trimestre, o PIB ainda estava 5,3% abaixo do pico atingido no primeiro trimestre de 2014. Hoje, a economia roda no mesmo patamar do primeiro semestre de 2012.
Tony Volpon, economista-chefe do UBS, diz ver "duas economias". Uma, de serviços e consumo, ajuda a colocar o PIB na casa de 1%, conforme as famílias ainda obtêm renda com ganho acima da inflação e o crédito se expande.
A outra, mais volátil, penaliza indústria, exportação e investimentos com choques - como a crise na Argentina ou o rompimento de barragem da Vale - e baixa confiança generalizada em relação ao Brasil.
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