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Com ou sem lei, a prática da educação domiciliar no Brasil é um fato estabelecido e em expansão. O ritmo de adesões à modalidade foi ainda mais acelerado por conta da pandemia, pois famílias que nunca haviam passado pela experiência de educar os filhos em casa, com auxílio de recursos digitais, foram obrigadas a fazer isso. Muitas gostaram, perceberam-se capazes e notaram que os resultados em aprendizagem foram bastante satisfatórios.
Apesar desse cenário, enquanto não houver lei no Brasil, as crianças educadas por meio do homeschooling permanecem sendo submetidas a inúmeros constrangimentos. Elenco a seguir algumas das situações mais comuns e revoltantes envolvendo a privação de direitos aos quais essas crianças e adolescentes são submetidas por culpa do Poder Público, mais especificamente, por ausência de uma lei que reconheça a modalidade e dê segurança jurídica aos pais que a praticam.
Não ganham certificação
Certamente o ponto que mais prejudica os estudantes da educação domiciliar, a falta de um certificado que comprove por via documental a aprendizagem gera uma série de outras consequências negativas. Hoje, as famílias do homeschooling precisam recorrer a um improviso para garantir que seus filhos possam entrar na faculdade, por exemplo. Elas aguardam até que o estudante complete 18 anos e assim possa fazer o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja). Antes disso, não há nenhum exame de desempenho oficial ao qual as crianças da educação domiciliar tenham o direito de fazer.
Convém destacar que alguns estados brasileiros adotam o sistema da aprovação automática, o que, na prática, significa que um estudante não precisa de fato comprovar que aprendeu algo para seguir adiante. Já um homeschooler, ainda que comprove por meio de trabalhos, provas, apresentações e todos os outros meios possíveis que domina os conteúdos previstos para um estudante da sua idade, mesmo assim, não tem direito à certificação alguma por parte do Estado. No Brasil, evidências de aprendizagem são absolutamente irrelevantes, ao menos quando se trata de crianças educadas via educação domiciliar.
Não têm passe livre
Alguns municípios e estados concedem aos estudantes o direito ao passe livre ou desconto de 50% na compra de passagens no transporte público. Esse direito, contudo, só é acessível aos estudantes da educação escolar, jamais para aqueles da educação domiciliar.
Alguém certamente vai perguntar: mas se estudam em casa, eles precisam? Primeiro é preciso denunciar que a pergunta traz em si a pérfida aceitação de que crianças essencialmente iguais, merecem menos direitos do que outras, o que deve ser rechaçado por qualquer pessoa de bom senso. Há, contudo, outro erro na premissa, a de que estudantes da educação domiciliar estudam só em casa, mentira detectável por qualquer um que se dedique a conhecer famílias reais que aderiram à modalidade.
A ausência de lei dificulta a existência de pesquisas sérias sobre o assunto, mas se alguma já tivesse sido feita, certamente constataria - assim como se constata em outros países - que crianças educadas por meio do homeschooling vão a museus, teatros e eventos culturais com frequência bem maior do que aquelas da rotina escolar. Também fazem mais passeios a parques, zoológicos, laboratórios e outros ambientes de aprendizagem, quase sempre, em grupos de famílias.
Mesmo assim, o estado brasileiro prefere continuar fingindo que crianças educadas desse jeito não existem, ou, se existem, vivem enclausuradas, logo não precisam da passagem barata à qual todas as outras têm acesso.
Não podem participar de competições
Se a ausência de certificado é o que gera mais preocupação nos pais, a impossibilidade de participar de competições é o que realmente fere o coração dos filhos nas comunidades homeschoolers. Anúncios sobre olimpíadas de matemática, campeonatos de xadrez, times desportivos municipais e todo o mundo de possibilidades que esses torneios oferecem é proibido para crianças e adolescentes da educação domiciliar.
Mais uma vez, nada é suficiente para permitir a participação. Não importa se as famílias comprovarem que a criança conhece os conceitos e sabe executar todos os cálculos cobrados numa olimpíada de física, ou se mostrar vídeos que deixem evidente toda a habilidade do adolescente homeschooler num esporte específico. Nada importa! Sem um pedaço de papel que diga em qual escola seu filho é matriculado, as famílias desses estudantes sempre fracassarão na tentativa de ter acesso a esse mundo. Tudo por falta de lei.
*Jônatas Dias Lima é jornalista e presidente da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal (Fameduc-DF). E-mail: jonatasdl@live.com.