Pesquisas científicas com bons e maus leitores são unânimes em concluir que a abordagem fônica é uma etapa essencial na alfabetização. Mesmo assim, o Brasil continua negligenciando o ensino sistemático de letras e sons porque se consolidou no país a difusão de uma série de ideias equivocadas, muitas delas defendidas por abordagens construtivistas nas faculdades de educação.
Por ocasião da Conabe, evento sobre alfabetização, que contou com a presença de cientistas no Ministério da Educação (MEC) para rever as últimas descobertas da neurociência e como aplicá-las nas escolas brasileiras, o deputado Gastão Vieira (PROS-MA) disponibilizou a terceira edição de um relatório produzido por especialistas em 2003 que já trazia esse diagnóstico e as discussões ainda incipientes no Brasil (acesse o documento aqui).
No capítulo 11 desse relatório, os cientistas apontam quatro mitos que se estenderam sobre os educadores sobre as abordagens fônicas que precisam ser superados para que a alfabetização no Brasil dê um salto de qualidade. Todos esses erros pressupõe que ler e escrever seriam atividades naturais ao homem, o que não é verdade, e que as crianças precisariam apenas de “motivação” para aprender.
Participaram da elaboração do relatório Cláudia Cardoso-Martins (Ph. D. em Psicologia, University of Illinois), Fernando Capovilla (Ph. D. em Psicologia Experimental, Temple University), Jean-Emile Gombert (Doutor em Psicologia Genética, École des Hautes Études en Sciences Sociales), João Batista Araújo e Oliveira (presidente do Instituto Alfa e Beto, Ph. D. em Pesquisa Educacional, Florida State University), José Carlos Junca de Morais (Doutor em Ciências Psicológicas, Université Libre de Bruxelles), Marilyn Jaeger Adarns (Ph. D. em Psicologia Cognitiva e do Desenvolvimento, Brown University e Chief Scientist do Soliloquy Learning) e Roger Beard (Professor of Primary Education, Chefe da Early Childhood and Primary Education, University of London Institute of Education).
MITO 1 – “Ao aprender a ler, decodificar não é relevante”
Quem afirma que o fim da leitura é “construir significado” e que, por isso, ao alfabetizar “não se deveria distrair as crianças com outras tarefas, como decodificar” está negligenciando as últimas evidências científicas.
Não há mais dúvidas que a decodificação (capacidade de traduzir letras em sons, para ler, e sons em letras, para escrever) é “essencial para liberar a memória de curto prazo das tarefas de decodificar as palavras, permitindo ao leitor concentrar-se na busca do significado”, diz o relatório.
A decodificação não esgota o sentido da alfabetização (permitir ao leitor compreender, interpretar, modificar, refletir sobre um texto), mas é uma fase que não pode ser suprimida sem reduzir a capacidade de aprendizagem das crianças.
MITO 2 – “A abordagem fônica é mecânica, ler é uma atividade cognitiva”
Não se pode confundir a abordagem fônica com as antigas cartilhas de alfabetização que se baseavam exclusivamente em atividades de repetição. Nem com o ensinar apenas a “decodificar”, sem ensinar o sentido das palavras, criando analfabetos funcionais. Essas falácias dominam ainda muitas faculdades de educação.
A abordagem fônica, bem feita, é cognitiva: o aluno aplica regras para resolver problemas de correspondência entre grafemas e fonemas. A prática dessa decodificação é necessária, como em qualquer outra disciplina, quando se quer chegar a excelência. E, depois da decodificação bem aprendida, seguem as outras etapas da alfabetização, com muito mais eficácia.
MITO 3 – “A abordagem fônica nega os usos sociais da língua”
A partir do desejo de “empoderar o aluno”, surgiu uma crítica infundada contra os métodos fônicos. Segundo ela, os alunos, ao estudar de forma sistematizada, não aprenderiam a ler com textos “autênticos”.
Na verdade, quem segue esse mito confunde o “uso de textos simples e decodificáveis, necessários para o ensino da decodificação e para desenvolver a consciência sintática, com a ideia de que esses devem ser o único tipo de texto utilizado no processo de alfabetização”.
Outra visão distorcida da alfabetização é defender que “todos os textos tenham que ser complexos, ou que seja possível ensinar o aluno a ler de forma independente sem levar em conta as várias dimensões de complexidade fonológica, morfológica, sintática e semântica dos textos que lhe são apresentados”.
O preconceito de que textos “decodificáveis” não possam ser considerados “textos autênticos”, desclassificaria toda a escrita feita a partir de rigorosas coerções formais. “O fato de dar propósito didático a um texto escrito com limitações formais não desqualifica sua autenticidade”, lembra o relatório.
MITO 4 – “Toda aprendizagem deve ser contextualizada”
Esse mito parte do seguinte raciocínio: o contexto da linguagem é o texto, logo toda aprendizagem sobre a linguagem só pode ser realizada a partir de “textos autênticos”.
A verdade é que esse pensamento apresenta vários problemas de lógica. Em primeiro lugar, linguagem não se reduz apenas a seu uso social, ao seu contexto.
“Pensar e aprender sobre linguagem e sua estrutura é um objeto de estudo valioso e necessário. Aprender a metalinguagem e habilidades metalingüísticas é essencial para refletir sobre a língua e os textos produzidos”, diz o relatório.
Em segundo lugar, o contexto não é uma característica de um texto determinado, ele é determinado pelo entorno de um texto. Diz o relatório:
“Uma exclamação (Oh!) diante de um quadro pode ser um belo texto. Contexto e sentido são criados, não são dados por determinados tipos de textos. Quando crianças inventam uma linguagem própria – como a língua do “pê” – ou brincam com palavras (unidunitê salamê minguê), estão fazendo atividades significativas. Ademais, o contexto mais relevante para aprender a respeito de letras e sons é o alfabeto e as combinações infinitas que ele permite fazer, possibilitando criar palavras inimagináveis. Na aprendizagem da leitura, a própria língua é o contexto, o objeto de estudo – embora o objetivo desse estudo seja o de promover o entendimento de seus usos sociais”.
Uma terceira razão é que, ainda que o contexto seja fundamental, há “situações em que o contexto fica de lado para que o estudo possa ser aprofundado em relação a alguns de seus aspectos”.
“Na decodificação, por exemplo, a leitura de pseudo-palavras é atividade essencial e de grande valia. Para dominar as habilidades de decodificação, depois de ver a palavra utilizada em contexto, os alunos devem concentrar sua atenção na estrutura das palavras, e não no contexto. A estrutura torna-se o contexto relevante”
As palavras-chave do método Paulo Freire
Sobre a questão do contexto, o relatório dos especialistas mostra ainda que o uso de palavras-chave para estimular o debate entre adultos em classes de alfabetização, como propõe o método de Paulo Freire, é positivo para a motivação, mas não para aprender a ler.
“O contexto é importante para motivar e promover insights sobre usos sociais da língua, mas por si só não ensina aos alunos as competências essenciais para que se tornem leitores autônomos, condição essencial para que se tornem leitores críticos”.
Acesse a íntegra do relatório:
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