O ensino fundamental, na teoria, é obrigatório no Brasil. Mas, na prática, não funciona como deveria. Existem no Paraná, apenas neste ano, 56,9 mil crianças entre 6 e 14 anos que estão longe das salas de aula. O número é resultado da comparação entre a quantidade de crianças matriculadas segundo o Censo da Educação Básica de 2009 do Ministério da Educação e a projeção da população na mesma faixa etária para este ano feita pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O problema não atinge apenas o ensino fundamental. Apesar de não serem obrigatórios, o ensino médio, a pré-escola e principalmente as creches apresentam números desanimadores. 78% (o que representa 452,4 mil crianças) da população entre zero e 3 anos não frequenta a escola. O ensino médio também segue o mesmo caminho: são 106,5 mil jovens que largaram os estudos.
Para os educadores, é preciso tomar cuidado com os dados, porque o número de matrículas foi comparado à projeção da população em 2009, ou seja, a quantidade de habitantes pode não representar a realidade. Mas basta consultar alguns conselhos tutelares de Curitiba para ver que os números não estão longe de dificuldades enfrentadas por pais e mães. Cristina (a mãe preferiu um nome fictício para preservar o filho) é mãe de um menino de 11 anos que está há seis meses fora da escola. Ela mudou de bairro, em Curitiba, e não conseguiu vaga para a criança em uma escola próxima ao novo endereço. "É decepcionante. Ele adora ir para a aula, não tira notas vermelhas e agora vai ter de repetir o ano. O nome dele foi para uma lista de espera, mas tenho fé de que ele volte para a escola no ano que vem", diz. O menino deixou de ir às aulas porque o único colégio que tinha vaga ficava longe e os pais, que trabalham o dia todo, não tinham condições de levá-lo eles também não têm dinheiro para pagar o vale-transporte.
Conta que não fecha
O conselheiro tutelar da Regional Cajuru Renato Cordeiro explica que o maior problema do ensino fundamental está na transição da 4.ª para a 5.ª série. "Temos, no nosso bairro, quatro escolas municipais (que atendem da 1.ª à 4.ª série) e duas estaduais (que recebem alunos da 5.ª à 8.ª série). O número nunca fecha: nem todos os alunos que saem da 4.ª série conseguem a vaga na 5.ª, pois faltam duas escolas estaduais", diz. O professor do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Angelo Souza lembra que o ideal seria ter o mesmo número de vagas desde a primeira série do fundamental até a última do ensino médio caso contrário, a conta dificilmente vai dar certo. "É curioso observar que a oferta de vagas vai diminuindo na proporção em que a escolaridade aumenta. Quando os estudantes chegam ao ensino médio, faltam escolas", explica Souza. Para ele, além da ausência de vagas, há ainda a questão das crianças com necessidades especiais (como deficientes auditivos) que acabam ficando de fora porque nem todas as escolas estão preparadas para recebê-las e, ainda, porque os pais não conhecem o direito garantido à vaga.
A secretária de Estado da Educação, Yvelise Arco-Verde, rebate a afirmação de que faltam vagas nas escolas estaduais. "A vaga existe, mas às vezes não é onde os pais gostariam que fosse ou no momento (data) que eles querem. Não podemos deixar a escola durante o ano todo com vagas ociosas. O problema é que alguns pais mudam de endereço e buscam vagas em setembro, por exemplo. Aí, sim, dificilmente vão conseguir", explica. A secretária ainda afirma que nem todos os pais e diretores de escola aceitam alunos que cumprem medidas socioeducativas parte dos que estão fora da escola tem este perfil. "É um assunto problemático que devolvo para a sociedade. Alguns pais e professores não querem um ex-viciado dentro da escola. Vamos ter de evitar o convívio social dele por causa disso?", questiona Yvelise.