O desafio da distorção idade-série
No Brasil, estima-se que existam mais de 680 mil crianças entre 6 e 14 anos que deveriam estar na escola, segundo a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Maria do Pilar Lacerda. Três perfis desse contingente de crianças fora da escola já foram identificados. Grande parte é de crianças pobres e com deficiências múltiplas graves. Há ainda aproximadamente 50 mil que estão na região amazônica e não chegam à escola por falta de transporte; e ainda existem as que vivem no meio rural, em áreas de difícil acesso. "Não são dificuldades iguais para todas. Mas os mais afetados são sempre os mais pobres", diz.
Crianças de zero a 3 anos são as mais desassistidas
Há três anos, a dona de casa Valdinéia Lopes da Silva, 24 anos, aguarda uma vaga na creche para a sua filha Nicole, 3 anos e 8 meses. No começo do mês, Valdinéia acabou demitida devido ao grande número de faltas que teve no trabalho para poder ficar com a menina. Moradora do Terra Santa, no bairro Tatuquara, em Curitiba, Valdinéia conta que a situação piorou depois que a sua mãe foi viver em Colombo, na região metropolitana. "Antes ainda poderia deixar com minha mãe, mas agora não tem como", afirma.
Ensino superior não cumprirá metas para 2011
O ensino superior brasileiro não conseguirá cumprir a meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação (PNE) de matricular 30% dos jovens com idades entre 18 e 24 anos no ensino superior até 2011. De acordo com o último censo da educação superior, divulgado neste mês, em 2008 apenas 13,71% da população universitária do país estavam na faixa etária adequada para esta idade.
Para o ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Reynaldo Fernandes, o problema está no atraso dos estudantes recebidos pelo ensino superior. "É muito difícil mudar estes números se não melhorarmos a questão do atraso lá atrás, no ensino médio", diz. De acordo com Fernandes, uma possível solução é continuar a política de expansão do ensino superior.
Tatiana Duarte
O ensino fundamental, na teoria, é obrigatório no Brasil. Mas, na prática, não funciona como deveria. Existem no Paraná, apenas neste ano, 56,9 mil crianças entre 6 e 14 anos que estão longe das salas de aula. O número é resultado da comparação entre a quantidade de crianças matriculadas segundo o Censo da Educação Básica de 2009 do Ministério da Educação e a projeção da população na mesma faixa etária para este ano feita pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O problema não atinge apenas o ensino fundamental. Apesar de não serem obrigatórios, o ensino médio, a pré-escola e principalmente as creches apresentam números desanimadores. 78% (o que representa 452,4 mil crianças) da população entre zero e 3 anos não frequenta a escola. O ensino médio também segue o mesmo caminho: são 106,5 mil jovens que largaram os estudos.
Para os educadores, é preciso tomar cuidado com os dados, porque o número de matrículas foi comparado à projeção da população em 2009, ou seja, a quantidade de habitantes pode não representar a realidade. Mas basta consultar alguns conselhos tutelares de Curitiba para ver que os números não estão longe de dificuldades enfrentadas por pais e mães. Cristina (a mãe preferiu um nome fictício para preservar o filho) é mãe de um menino de 11 anos que está há seis meses fora da escola. Ela mudou de bairro, em Curitiba, e não conseguiu vaga para a criança em uma escola próxima ao novo endereço. "É decepcionante. Ele adora ir para a aula, não tira notas vermelhas e agora vai ter de repetir o ano. O nome dele foi para uma lista de espera, mas tenho fé de que ele volte para a escola no ano que vem", diz. O menino deixou de ir às aulas porque o único colégio que tinha vaga ficava longe e os pais, que trabalham o dia todo, não tinham condições de levá-lo eles também não têm dinheiro para pagar o vale-transporte.
Conta que não fecha
O conselheiro tutelar da Regional Cajuru Renato Cordeiro explica que o maior problema do ensino fundamental está na transição da 4.ª para a 5.ª série. "Temos, no nosso bairro, quatro escolas municipais (que atendem da 1.ª à 4.ª série) e duas estaduais (que recebem alunos da 5.ª à 8.ª série). O número nunca fecha: nem todos os alunos que saem da 4.ª série conseguem a vaga na 5.ª, pois faltam duas escolas estaduais", diz. O professor do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Angelo Souza lembra que o ideal seria ter o mesmo número de vagas desde a primeira série do fundamental até a última do ensino médio caso contrário, a conta dificilmente vai dar certo. "É curioso observar que a oferta de vagas vai diminuindo na proporção em que a escolaridade aumenta. Quando os estudantes chegam ao ensino médio, faltam escolas", explica Souza. Para ele, além da ausência de vagas, há ainda a questão das crianças com necessidades especiais (como deficientes auditivos) que acabam ficando de fora porque nem todas as escolas estão preparadas para recebê-las e, ainda, porque os pais não conhecem o direito garantido à vaga.
A secretária de Estado da Educação, Yvelise Arco-Verde, rebate a afirmação de que faltam vagas nas escolas estaduais. "A vaga existe, mas às vezes não é onde os pais gostariam que fosse ou no momento (data) que eles querem. Não podemos deixar a escola durante o ano todo com vagas ociosas. O problema é que alguns pais mudam de endereço e buscam vagas em setembro, por exemplo. Aí, sim, dificilmente vão conseguir", explica. A secretária ainda afirma que nem todos os pais e diretores de escola aceitam alunos que cumprem medidas socioeducativas parte dos que estão fora da escola tem este perfil. "É um assunto problemático que devolvo para a sociedade. Alguns pais e professores não querem um ex-viciado dentro da escola. Vamos ter de evitar o convívio social dele por causa disso?", questiona Yvelise.