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Não faltam ‘ghost writers’ acadêmicos no mercado. Com a quantia certa pode-se comprar artigos científicos, trabalhos de conclusão de curso (TCC), dissertações de mestrado ou teses de doutorado. O processo é fácil: basta preencher um formulário em algum dos diversos sites que abundam na internet, especificar o curso e a área de conhecimento. O valor final é enviado por email. 

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Mas os artigos são bons? A reportagem da Gazeta do Povo comprou um TCC de jornalismo e testou aos olhos de uma professora da área e o submeteu a um software anti-plágio — sistema cada vez mais usado pelas universidades brasileiras. 

Dentre as dezenas de opções, o prestador escolhido foi o site Monografia ideal. O domínio, registrado sob o nome de Josiane Gomes da Silva, oferece até mesmo um guia de temas para quem passou anos na faculdade e mesmo assim não faz ideia do que fazer para terminar a graduação. 

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Inicialmente, a sugestão da reportagem era fazer um trabalho com o título "Uma análise comparada da cobertura jornalística das eleições presidenciais de 2014". Depois do primeiro contato com site, porém, houve uma contraproposta temática, a saber: “A política e a imprensa: a influência da mídia na democracia brasileira” — um assunto bastante genérico. Conforme o atendimento do site, 17 dias seriam suficientes para criar um TCC do zero, sem risco de plágio. “Todos os nossos autores têm pelo menos mestrado”, garantiu um homem chamado Celso, por telefone. O preço original por 50 páginas era R$ 1500. Como era temporada de promoção, tudo custaria R$ 600. 

O retorno, contudo, atrasou. O acordo era que em fosse enviada uma prévia do trabalho e, depois de feita a segunda parte do pagamento, o artigo completo seria entregue. No entanto, as duas versões foram enviadas no mesmo dia, depois que a reportagem cobrou urgência na entrega do produto. O documento final veio rápido: “faltava muito pouco para finalizar a hora que avisei o elaborador. Agora ele já mandou prontinho. Obrigado e boa sorte”, escreveu por email a empresa Monografia Ideal. 

A monografia veio com 65 páginas e estrutura pronta:  capa, sumário, resumo em português e inglês, referências bibliográficas — e espaço para incluir nome dos oridentadores, dedicatória e agradecimentos.

Conteúdo vago

Seria realmente preciso sorte se a monografia fosse apresentada diante de uma banca criteriosa. Convidada a analisar o artigo, a professora de jornalismo da Universidade Federal de Brasília (UnB) Rafiza Varão foi rígida: “A qualidade do trabalho apresentado é extremamente baixa”. Rafiza citou alguns dos problemas encontrados: o tema é vago, há muitos problemas de pesquisa, os objetivos gerais e específicos não casam com o resultado, “há muitos problemas de construção textual, com muitos erros nas sentenças, não exatamente de ortografia, mas de sentido e domínio do que está sendo dito”. 

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A professora da UnB, contudo, diz que uma monografia assim eventualmente poderia ser aprovada por uma banca com um olhar menos científico e pouco exigente. Pela experiência com o gênero, ela sentiu que há uma falta de estudo real por trás do artigo, que “se apoia numa espécie de ‘academiquês’, em que se junta alguns autores, algumas citações e aparentemente, com essas junções, tenta se passar por um texto acadêmico rigoroso”. Os tópicos apresentados também não tem coerência. “Se pula de internet a [Karl] Marx sem muita lógica. Parece um trabalho talhado para que o plágio não seja descoberto”. 

Para avaliar se se trata de uma cópia, a reportagem pediu à professora do curso de jornalismo da Unesp-Bauru Angela Grossi para submetê-lo ao software Turnitin, que busca em seu banco de dados por semelhanças com outros artigos. O resultado apontou um índice de similaridade de 38%. 

“Não significa necessariamente que teve plágio”, disse Angela. “A similaridade se dá por meio de fontes, de textos parecidos, de trechos citados ou ainda por termos conhecidos, como ‘agenda setting’ na página 51”. Ou seja: não foram encontrados pequenos trechos copiados. O relatório do programa encontrou 85 referências que vão de revistas acadêmicas da Universidade Federal da Paraíba ao blog de um juiz aposentado chamado Siro Darlan. 

Crime delicado 

“É um problema não só na área jurídica mas também na educacional”, diz o advogado Victor Grampa, presidente da Comissão de Direito Educacional e Políticas Públicas em Educação da OAB SP. 

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Segundo Grampa, comprar um trabalho e se assumir como o autor é crime de falsidade ideológica — previsto no artigo 299 do Código Penal. A pena é de reclusão de um a três anos mais uma multa. No casos das empresas que vendem a monografia, caberia uma análise do Ministério Público já que o que existe é um auxílio a uma fraude. 

Casos assim, contudo, não chegam à Justiça. “Mesmo em casos flagrantes, as universidades não processam os alunos e não chegam a fazer a denúncia”, explica. Grampa, que também é professor universitário, conta os casos de compra são comuns, mas é delicado fazer esse tipo de acusação por falta de acesso às provas. A estratégia do professor é ver se o aluno consegue sustentar o trabalho escrito no momento da defesa oral. “Se a apresentação não condiz com o texto, eu reprovo”.

Trechos

Muitos trechos do TCC de R$ 600 reais são mal construídos ou parecem ter pouca relação com o restante da obra. Veja cinco exemplos.

1) “O estado de paz entre os homens que vivem juntos não é um estado de natureza - status naturalis, que é antes um estado de guerra, isto é, ainda que nem sempre haja uma eclosão de hostilidades, é, contudo, uma permanente ameaça disso”.

2) “Segundo Oliveira (1999), a Grécia antiga, apesar de ser historicamente conhecida como o berço da democracia devido à Ágora – Praça Pública – em Atenas que era o espaço para a realização das Assembleias, no entanto era extremamente seletiva e restrita”.

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3) “Particularmente, acredito que o desenvolvimento sustentável é o novo paradigma com estrutura para deitar abaixo o neoliberalismo, mas como há uma disparidade enorme entre as realidades sociais, econômicas e políticas das nações, o neoliberalismo ainda continua vivo em algumas delas”.

4) “Quanto mais notícias de violência forem divulgadas, mais sensação de medo e insegurança será criado em quem recebe essas informações, surgindo com isso uma ideia de que o sistema não funciona e gerando uma falsa percepção de que necessitamos de mais leis e mais regras”.

5) “Os jornalistas são atores políticos que, apesar de suas posturas partidárias e ideologias que aceitam precisam estabelecer seu papel político mediante a adesão a determinados princípios de objetividade e deferência aos fatos e estar conscientes de que seus atos terão consequências sociais e políticas”.

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