Em qualquer discussão legislativa na qual se considere adotar no país medidas já aplicadas no exterior, a primeira e mais óbvia das ações é a de analisar o que dizem os estudos produzidos nesses países, que já aplicam a medida em discussão. Essa lógica elementar, contudo, não é usada quando o assunto é educação domiciliar. Cientes de que o contato com determinadas evidências faria cair por terra as narrativas que embasam o preconceituoso rechaço à modalidade, os opositores do homeschooling no Brasil têm se esforçado para omitir referências às pesquisas acadêmicas estrangeiras sobre essa forma de educar. A esmagadora maioria desses trabalhos científicos tende a ser, na visão desses detratores, perigosamente favorável ao direito de se educar os próprios filhos em casa.
O mito de que a educação domiciliar cria indivíduos extremistas e antissociais seria o primeiro a desmoronar. Um pesquisador honesto encontraria com facilidade vários artigos, como o Homeschooling and the Question of Socialization Revisited, de autoria do professor e doutor em Psicologia norte-americano Richard Medlin. Publicado em 2013 pelo periódico britânico Peabody Journal of Education, o estudo conclui que as crianças homeschoolers pesquisadas são felizes, constroem amizades de qualidade e têm relacionamentos muito positivos com seus pais.
No entanto, se o pesquisador preferir algo mais recente, também teria à sua disposição o livro Global Perspectives on Home Education in the 21st Century, uma coletânea de artigos acadêmicos organizados pela professora Rebecca English, da Queensland University of Technology, Austrália. Lançado em 2020, um dos trabalhos que compõem o livro é o de Gina Riley, doutora em psicologia educacional que estudou o desempenho acadêmico e social de jovens adultos que foram educados pelo homeschooling durante a infância e adolescência.
Outra falácia usada para difamar a modalidade no Brasil é a vinculação quase criminosa entre educação domiciliar e risco de abuso infantil. Quem usa esse tipo de ilação para atacar as famílias educadoras sabe que não há nenhum estudo sério, em nenhum lugar do mundo, que embase sua acusação. Provavelmente, sabe também que há vasta investigação acadêmica mostrando o oposto: famílias que optam por assumir o protagonismo na educação formal dos filhos tendem a ser mais zelosas do que a média. É o que aponta, por exemplo, o estudo Child Abuse of Public School, Private School and Homeschool Students: Evidence, Philosophy and Reason, do doutor em Ciência da Educação pela Oregon State University, Brian D. Ray.
É provável, contudo, que alguns interessados no tema se incomodem com o excesso de pesquisas provenientes dos Estados Unidos, preferindo buscar dados sobre homeschooling em outras partes do mundo. Esses também não vão se decepcionar.
Aqueles que gostariam de saber mais sobre essa prática na América Latina têm ao seu alcance, por exemplo, o artigo Educación en el hogar en Chile. Informe de resultados de la Encuesta Nacional, trabalho publicado em 2014, pelo professor Lester Aliaga Castillo, após um levantamento nacional a respeito dessa realidade entre as famílias chilenas.
Outro exemplo de país com realidade socioeconômica semelhante à do Brasil, e que aprovou o homeschooling na década de 90, é a África do Sul, onde a produção acadêmica sobre o tema está em franca expansão. Homeschooling in South Africa: A Multiple Case Study, de Jennifer Rae Steytler, publicado em 2019, pode ser um bom começo para entender o fenômeno por lá.
Quanto à investigação científica sobre o tema na Europa, um pesquisador interessado encontraria muitas opções, entre elas, El homeschooling em España: descripción y análises del fenómeno, do doutor em Educação pela Universidad de Oviedo, Carlos Cabo González. E já que estamos rodando o mundo, por que não ir até a Rússia, onde o homeschooling foi legalizado em 2012? O trabalho da professora Kristina Lyubitskaya, em inglês, Homeschooling in Russia and abroad, publicado no Journal of Modern Foreign Psycology, em 2017, certamente ajudará na compreensão de como e por que essa forma de educar vem ganhando tantos adeptos, até mesmo no país que já foi o coração da antiga União Soviética.
Jônatas Dias Lima é jornalista e presidente da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal (Fameduc-DF). E-mail: jonatasdl@live.com.