FIM DO ENEM – CURITIBA – 23/10/11 – VIDA E CIDADANIA – Ultimo dia de provas do ENEM na PUC-PR. FOTO: FELIPE ROSA. Agencia de Noticias GAZETA DO POVO| Foto: GAZETA

Por que prometer um smartphone para os alunos que respondessem a um censo dos estudantes de graduação em universidades públicas? Pois foi o que fez a Universidade Federal de Roraima (UFRR). Além de disponibilizar um laboratório para os alunos acessarem computadores e preencherem a pesquisa, a instituição prometeu, em junho de 2018, entregar um celular J5 Pro 32 GB a um dos alunos que colaborasse: “O sorteio é uma promoção da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e ocorrerá no Parlatório, dia 2 de julho, às 17 horas. Os acadêmicos que já responderam ao questionário também estão concorrendo ao brinde”.

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A instituição ainda anunciou que era obrigada a fazer com que seus alunos preenchessem a pesquisa. “Conforme o relatório parcial, até a tarde desta quarta-feira (20/06), pouco mais de 30% haviam respondido ao documento. A meta obrigatória da UFRR é alcançar 50%”. E justificou a participação explicando que ela tinha valor estratégico: “Além de concorrer a um prêmio, os estudantes da UFRR devem sentir-se motivados a responder a pesquisa para garantir a continuidade do Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), o qual proporciona aos discentes em situação de vulnerabilidade econômica a assistência necessária para garantir a permanência no Ensino Superior”.

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Divulgada no dia 17 de maio, em meio à polêmica do contingenciamento de verbas para a educação, a pesquisa em questão foi realizada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) em parceria com o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assistência Estudantil (Fonaprace). Em sua quinta edição, a V Pesquisa do Perfil Socioeconômico dos Estudantes de Graduação das Universidades Federais chegou à conclusão de que a maioria dos alunos das universidades públicas pertencem às classes C, D e E.

O estudo indicou que o percentual de cotistas saiu de 3,1%, em 2005, para 48,3%, em 2018. E que o percentual de estudantes pobres subiu: se no primeiro levantamento, realizado em 1996, ele estava em 44,3%, e se manteve estável nos estudos de 2003 e 2010, o percentual chegou a 66,2% em 2014 e em 70,2% em 2018. Por outro lado, o estudo apontou que 51,2% dos estudantes se declaram negros, contra 60,6% da população brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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Os números foram alcançados graças ao preenchimento de um formulário online. Mas as informações divulgadas pela UFRR indicam que o estudo poderia ter sido direcionado, o que poderia comprometer os resultados. Alexandre Patriota, professor de estatística da Universidade de São Paulo (USP), apontou algumas instituições que ajudaram na divulgação da pesquisa estavam motivando bolsistas a responderem. “Algumas instituições, que ajudaram na divulgação da pesquisa, estavam motivando bolsistas a responderem”, ele afirma.

“Extrema importância”

A Unirio, por exemplo, divulgou, no dia 16 de junho, uma nota estimulando especificamente os bolsistas a participar do estudo: “Prezados(as) Bolsistas e Alunos(as) com Auxílio Alimentação e/ou Moradia, Reiteramos a solicitação, de preenchimento da V Pesquisa de perfil socioeconômico e cultural, dos Graduandos das IFES”.

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Por sua vez, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) divulgou o seguinte argumento a favor do levantamento da Andifes: “Além de ajudar na elaboração de políticas de assistência estudantil mais eficazes, a pesquisa é de extrema importância na defesa da educação superior gratuita brasileira. No ano passado, os resultados da última edição serviram como base para questionar dados divulgados em um relatório do Banco Mundial, que sugeria mudanças radicais no Sistema das Universidades Públicas Federais”

“As mensagens motivam um tipo de aluno (os bolsistas de baixa renda) a responder à pesquisa”, afirma Alexandre Patriota. “Essa forma de divulgação pode causar um viés de seleção, pois alunos com renda mais baixa sentem-se mais motivados a responder para manter programas de assistência dos quais eles participam”, diz o professor, que faz a ressalva: “Não é possível saber se houve de fato um viés de seleção sem estudar minuciosamente os dados da pesquisa. Para verificar se as divulgações acima causaram um viés de seleção, deve-se comparar os microdados da pesquisa com os consolidados de outras pesquisas confiáveis. Caso seja constatado um viés de seleção, os resultados da pesquisa estariam comprometidos”.

Mas por que, ainda na fase de coleta de dados, a UFJF menciona a importância de entregar dados que contestem um relatório do Banco Mundial?

Em novembro de 2017, o Banco Mundial apresentou o relatório Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. O texto afirma:

“As despesas com ensino superior são, ao mesmo tempo, ineficientes e regressivas. Uma reforma do sistema poderia economizar 0,5% do PIB do orçamento federal. O Governo Federal gasta aproximadamente 0,7% do PIB com universidades federais. A análise de eficiência indica que aproximadamente um quarto desse dinheiro é desperdiçada”.

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Dados discrepantes

Mas, principalmente, o estudo apresenta um dado muito diferente do defendido pela Andifes: “Além disso, embora os estudantes de universidades federais não paguem por sua educação, mais de 65% deles pertencem aos 40% mais ricos da população. Portanto, as despesas com universidades federais equivalem a um subsídio regressivo à parcela mais rica da população brasileira”.

O Banco Mundial conclui, sugerindo que o Brasil cobre mensalidades dos alunos de universidades públicas: “Uma vez que diplomas universitários geram altos retornos pessoais (em termos de salários mais altos), a maioria dos países cobra pelo ensino fornecido em universidades públicas e oferece empréstimos públicos que podem ser pagos com os salários futuros dos estudantes. O Brasil já fornece esse tipo de financiamento para que estudantes possam frequentar universidades particulares no âmbito do programa FIES. Não existe um motivo claro que impeça a adoção do mesmo modelo para as universidades públicas”.

Na época, Emmanuel Zagury Tourinho, reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e presidente da Andifes, criticou o estudo do Banco Mundial: “O documento contém inúmeros erros na apresentação do Sistema de Universidades Públicas Federais, que merecem reparo”, ele escreveu.

“Além disso, parte da justificativa afirma que as políticas públicas têm favorecido os mais ricos, mas não refere a acentuada injustiça tributária no país, muito menos recomenda a tributação de grandes fortunas ou a revogação de desonerações fiscais que favorecem grandes grupos econômicos, medidas que poderiam financiar iniciativas de combate à desigualdade, problema maior da nação. Limitado a indicadores financeiros, o documento ignora dados da realidade social brasileira e o papel das universidades públicas no desenvolvimento econômico e social do país”.

Procurada, a Andifes não se manifestou, assim como a UFRR, UFJF e a Unirio.

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