No bem-sucedido processo de aprovação da lei sobre educação domiciliar no Distrito Federal, uma das participações fundamentais para a derrubada de mitos e o correto esclarecimento sobre a constitucionalidade do tema foi a do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), por meio da Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc). Ela ocorreu nos dias de intervalo entre a aprovação do projeto em primeiro turno e a votação final, em segundo turno, na Câmara Legislativa do Distrito Federal, quando uma intensa campanha de desinformação e hostilidade às famílias homeschoolers teve início, motivada por parlamentares e entidades de esquerda.
Numa nota técnica primorosa, que já é considerada como um dos documentos mais importantes da história do homeschooling no Brasil, a promotoria faz menção à carta de repúdio, assinada por entidades ideologicamente alinhadas, produzida às pressas para intimidar os deputados distritais e impedir às famílias de terem o direito de educar os filhos em casa reconhecido. Nela, os opositores reciclaram todos os argumentos jurídicos que já haviam sido expostos e derrotados nas três comissões pelas quais o projeto de lei havia passado – incluindo a de Constituição e Justiça - sem contar as longas discussões em plenário. Felizmente, fracassaram em seu intento, o projeto de lei foi aprovado e, em seguida, sancionado pelo governador Ibaneis Rocha.
Atenta à repercussão social do tema, a promotoria de Educação se manifestou, mantendo a coerência com a posição defendida no julgamento sobre o assunto, em 2018, no Supremo Tribunal Federal, quando afirmou que a educação domiciliar é compatível com a Constituição brasileira. Dessa vez, contudo, o órgão foi além e explicou por que o Distrito Federal teria sim autonomia para legislar sobre o assunto, enquanto não houver lei federal.
Logo de início, a nota (leia na íntegra) expõe que o entendimento da promotoria acerca da constitucionalidade da educação domiciliar está “sob o prisma do pluralismo político, da liberdade educacional e da autonomia da família”, lembra que “a educação domiciliar é realidade em vários outros países, entre os quais estão aqueles que detêm os melhores sistemas de educação do mundo” e destaca que essa opção educacional “se tornou socialmente relevante nos últimos anos.”
Após resgatar os diversos trechos da Constituição, da Lei de Diretrizes e Bases, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Civil, que embasariam seu entendimento, a promotoria relembra, conforme a decisão do Supremo, que a educação domiciliar “não estaria vedada”, exigindo que, para sua regular implementação, o Poder Legislativo deveria garantir as ferramentas necessárias à fiscalização do ensino domiciliar ministrado.
Sobre a autonomia do Distrito Federal para legislar a respeito do tema, a Proeduc lembra que “não há no ordenamento jurídico brasileiro, legislação que estabeleça normas gerais referentes ao ensino domiciliar” e que, por isso, “a propositura do Projeto de Lei Distrital que dispõe acerca do ensino domiciliar (homeschooling) observa os critérios de constitucionalidade e juridicidade”.
Para responder às dúvidas mais específicas quanto à natureza da matéria, se não seria competência exclusiva do Congresso Nacional, a promotoria aprofunda a argumentação, esclarecendo que a proposta “não invade o campo de diretrizes educacionais”, ou seja, não modifica nem amplia diretrizes e bases da educação fixadas pela União. Tratando-se, apenas de um “modelo de operacionalização do ensino”, constituindo, portanto, “mais uma forma de se oferecer maior prestação do direito à educação para a sociedade do Distrito Federal”.
Por fim, a nota é concluída de forma enfática, afirmando que a Promotoria de Justiça e Defesa da Educação do MPDFT, expressa o “firme entendimento” de que o Distrito Federal “possui autonomia e competência para elaboração e apreciação do Projeto de Lei que visa a implementação do ensino domiciliar, bem como que a educação familiar está em consonância com o princípio fundamental da República do pluralismo político e compatível com o sistema jurídico-legal em vigência, dispondo a família do direito ao exercício da liberdade educacional quanto à prioridade na escolha da direção na criação e educação dos filhos menores – liberdade de aprender e ensinar, incluindo a educação familiar (homeschooling).”
Se após a longa tramitação de quase dois anos da matéria na Câmara Legislativa, algum deputado ainda mantinha dúvidas quanto à constitucionalidade da regulamentação do homeschooling, a presente nota técnica do MPDFT foi o ponto final, a manifestação determinante para que o Poder Público local decidisse de uma vez por todas tirar da clandestinidade centenas de famílias brasilienses que já haviam aderido a essa forma de educação, mas ainda não dispunham de qualquer reconhecimento ou acompanhamento por parte do estado.
A sensatez e sensibilidade das pessoas responsáveis pela Proeduc garantiu direitos e está mudando vidas para melhor. Faço questão de publicar o documento na íntegra, de modo que esse bom exemplo seja mais conhecido e - por que não? – imitado por promotorias de todo o país ao lidarem com o drama das famílias homeschoolers.
* Leia a nota técnica na íntegra:
* Jônatas Dias Lima é jornalista e diretor-parlamentar da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal (Fameduc-DF). E-mail: jonatasdl@live.com.
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