Sentados em roda no tatame, a turminha do maternal fica agitada quando vê as bonecas que chegaram da sala do berçário ao lado. Negras de todos os tons, brancas, com cabelos de todos os tipos, as bonecas recebem beijos e abraços. Para eles, é mais uma brincadeira. Mas a ação é resultado de um estudo de pelo menos cinco anos feito pelo Centro Municipal de Educação Infantil (Cmei) Jardim Paraná, em Curitiba.
A unidade é referência em tratar as relações étnico-raciais na rede municipal de ensino de Curitiba. Lá, não tem essa história de trazer um grupo de capoeira para se apresentar no Dia da Consciência Negra e pronto, acabou. O trabalho com a diversidade é o ano inteiro, o tempo todo.
Superar datas comemorativas tem a ver com uma mudança na mentalidade escolar. “Não mais incentivar que todo mundo seja igual, mas valorizar as diferenças”, explica Caroline Francye, do departamento de educação infantil da Secretaria Municipal de Educação (SME).
A regra vale para a educação como um todo. Mas o ensino infantil tem lá suas especificidades. Os professores precisam trabalhar com o cotidiano da criança. O trabalho é baseado em brincadeiras e interações. “São pequenas ações. Quando você insere histórias em que a personagem em destaque tem sempre a mesma característica física – loira, de olho azul –, ou quando muitas vezes nenhuma imagem de boneca ou livro tem características físicas próximas às daquela criança, ela não consegue se enxergar como bonita”, explica a pedagoga Rubiane Fratti Machado.
O trabalho começou em 2010, com bonecas de diversas etnias costuradas pela professora Kelly Regina Mayer Boeira Vieira, que trabalha na unidade. O preconceito das crianças contra qualquer cabelo que não fosse liso surgiu logo de cara. “Tem criança que não quer brincar com a boneca negra. Ela não fala ‘não quero esta’, mas sempre escolhe outra”, conta a diretora do centro, Tânia Maria Misquevis Chuves.
Antes disso, foram seis meses de estudos com as professoras e funcionárias do Cmei. Resultado de um curso da Fundação Palmares feito por Tânia, depois de ouvir que “meu coração dói porque ninguém quer brincar comigo”, de um aluno, hostilizado pelos coleguinhas por ser loiro, de olho azul e ter cabelo afro.
O trabalho também ocorre na outra ponta da educação, co os pais. Além de participarem dos eventos promovidos pela escola, eles encontram referências às culturas africanas, indígena e até japonesa, por todos os lados, quando vão buscar os filhos. Livros como De alfaia a zabumbas e Outros contos africanos ficam disponíveis para leitura.
Bonecas
No Jardim Paraná as crianças também brincam com as abayomis, bonecas cujo nome remete a alegria, em iorubá. Neste ano, o centro montou um espaço griô para contação de histórias, com referência à tradição oral africana.
O projeto não é megalomaníaco, mas dá trabalho. A cada ano as crianças mudam e a equipe pedagógica refaz o planejamento. Mas têm seus louros. Negro, o tio de uma aluna foi acompanhar a festa da escola; depois contou que foi a primeira vez que as crianças não tiveram medo de brincar com ele. Em outra feita, uma aluna disse para a mãe: “Olha, eu sou linda, sou cor de chocolate.”
Tema é prioridade nas escolas municipais
A educação para as “relações étnico-raciais” é a prioridade da Secretaria Municipal de Educação (SME) para o ano de 2015, entre as crianças de 0 a 6 anos.
O assunto foi tema de uma série de oficinas, ao longo de 2014, e foi o eixo norteador da Semana de Estudos Pedagógicos 2015. “Existe uma diretriz curricular nacional para trabalhar as relações étnico-raciais”, observa Caroline Francye, do Departamento de Educação Infantil da SME.
O município preparou um material com objetivo de municiar as unidades. São algumas dicas de como o tema pode ser trabalhado com a equipe e com os pequenos. O objetivo é criar um repertório para os profissionais e sensibilizá-los.
Entre os educadores, segundo Caroline, a maior barreira é convencê-los de que a etnia negra deve ser uma prioridade, de que há uma “dívida histórica” a ser trabalhada. O passo seguinte é explicar que o trabalho com a diversidade vale para todos. “Independentemente da presença de crianças negras na instituição, pois visa o combate às desigualdades”, diz trecho do documento elaborado pela SME.
“Algumas pessoas dizem ‘em Curitiba não tem negros’. O que é uma mentira, porque a sociedade inteira é composta dessa diversidade. E não é só a cor da pele. A gente está o tempo inteiro se relacionando com a africanidade no Brasil”, diz Caroline.
Para a educação infantil, o município não trabalha com a distribuição de material didático. É uma opção pedagógica. O trabalho é com o professor, nas unidades. A partir disso, eles podem optar por comprar um livro infantil que aborde questões étnico-raciais, por exemplo. A secretaria reserva uma verba para essas aquisições.
Justiça do Trabalho desafia STF e manda aplicativos contratarem trabalhadores
Parlamento da Coreia do Sul tem tumulto após votação contra lei marcial decretada pelo presidente
Correios adotam “medidas urgentes” para evitar “insolvência” após prejuízo recorde
Milei divulga ranking que mostra peso argentino como “melhor moeda do mundo” e real como a pior
Deixe sua opinião