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A vida nunca foi fácil. Pelo menos não para a maioria das pessoas. Assim, as coisas não poderiam ser diferentes em relação aos estudantes. Submetidos a diversas cobranças, como prazos, disciplinas, boas notas, bem como tendo em mente a competitividade e a insegurança em relação ao futuro, muitos deles têm manifestado ansiedade, depressão e, em (crescentes) casos mais extremos, têm cometido suicídio (ou “apenas” tentado). 

A discussão pública, até onde a acompanho (especialmente nas Universidades), tem orbitado em torno das questões que levantei logo ao início desse texto. Ou seja, nas Universidades frequentemente se estabelece uma relação quase causal entre as exigências da vida estudantil e as psicopatologias desses jovens (que muitas vezes culminam tragicamente em suicídio). 

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Não obstante, penso que focar em exigências típicas do meio acadêmico para entender essas psicopatologias é deixar de lado as razões mais profundas desse fenômeno. Afinal, o aumento desses casos não está restrito aos estudantes: envolve os jovens em geral. Não se trata de os jovens estudantes universitários estarem sofrendo mais de certas psicopatologias (e se matando mais): os jovens em geral estão passando por isso (por diversas psicopatologias) e o estão fazendo (tentando, com frequente êxito, o suicídio)! 

Dessa forma, como obviamente muitos desses jovens são estudantes, se observa também um aumento dos suicídios nesse grupo. Assim, de acordo com pesquisa feita pela BBC News Brasil (a partir de dados do Mapa da Violência 2017, do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde) a taxa de suicídios (quarta causa de morte não natural no Brasil) na população de 15 a 29 anos subiu de 5.1 por 100 mil habitantes (dados de 2002) para 5.6 em 2014: um crescimento de quase 10% (entre 1980 e 2014 o crescimento foi de 27.2%). Embora a taxa geral de suicídios no Brasil tenha aumentado em 60% desde 1980, o índice é maior na população de 15 a 29 anos (sendo que a maioria dos jovens entre 18 e 24 anos está em alguma Faculdade ou Universidade). 

Mas eis a questão central: Como entender um fenômeno tão complexo e, mesmo, tão antinatural (dado que somos, como as demais formas de vida, naturalmente inclinados a buscar pela autopreservação – individual e da espécie mediante procriação)?

Com efeito, penso que cabe notar, de início, que, a exemplo do que ocorre com outros fenômenos complexos, certamente há vários aspectos concernentes a esse fenômeno. Não obstante, quero aqui especular especialmente sobre aquele que, segundo vejo, é o mais profundo e importante: o problema moral.

Com efeito, penso que, especialmente ao longo da segunda metade do século XX, nossa cultura deu ênfase a certas concepções doentias que, consequentemente, nos trouxeram (agravaram) certas patologias: Relativismo, niilismo, glamorização do uso “recreativo” de drogas e do alcoolismo, bem como da promiscuidade, do adultério, etc, criaram uma cultura propensa à falta de sentido. 

Noutros termos, a busca aflita pelo prazer (hedonia) nos conduziu à busca por deleites imediatos, o que nos afastou da busca pelo sentido. E, à diferença do mero prazer, o sentido muitas vezes envolve sofrimento, privações, esforço, sacrifícios, etc. 

Nas gerações anteriores isso era algo de “conhecimento comum”. As pessoas simplesmente sabiam que, às vezes, precisavam enfrentar o sofrimento, as privações, bem como que era necessário se esforçar e se sacrificar, e isso tendo em vista o futuro. E esse era o precisamente o ponto: elas pensavam prospectivamente. As gerações herdeiras de uma mentalidade “pós-moderna”, todavia, abandonaram o futuro e, consequentemente, o sentido. 

O que temos, aqui, é uma espécie de conflito entre nossa ‘natureza’, a qual nos exorta a buscar sempre por melhores condições, pelo sentido mesmo da vida, e a ‘cultura’ artificialmente engendrada, a qual tem glamourizado práticas que nos afastam de nossa natureza e de tudo aquilo que surgiu espontaneamente para assegurar que lograríamos sucesso em nossa autorrealização. 

Além disso, a busca pelo sentido envolve resiliência, algo raro entre os jovens de hoje, tão habituados a serem mimados, seja pelos pais seja pelo Estado. São frequentemente isentos das responsabilidades, dos sacrifícios, do comprometimento, bem como aprendem que têm direito a todas as coisas, de serem quem desejarem ser, etc. Em suma, se tornam, em sua maioria, narcisistas patológicos, acreditando (iludidamente) que são uma espécie de centro gravitacional ao redor do qual tudo o mais deve orbitar. 

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A busca de sentido e a resiliência

Um autor que se ocupou de investigar o problema do ‘sentido’ foi o psiquiatra austríaco Viktor Frankl. Tendo passado pelos mais brutais campos de concentração, Auschwitz e Dachau, ele se apercebeu de algo importante em seus 13 anos como prisioneiro: a busca pelo sentido nos dá resiliência. E de sofrimento Frankl entendia muito bem, pois, além de ter sido prisioneiro (de ter sofrido e testemunhado o sofrimento dos demais prisioneiros), ele perdeu, dentre outras pessoas, sua esposa grávida, seu pai e seu irmão, todos para o hediondo regime nazista. 

De qualquer forma, embora estivesse desenvolvendo suas ideias antes mesmo de se tornar prisioneiro, Frankl pôde constatar, empiricamente nos campos de concentração, que o ser humano tem a capacidade de encontrar um sentido para toda situação na vida, inclusive quando imerso nas circunstâncias mais caóticas e dolorosas. E esse sentido lhe impulsiona resoluta e resilientemente para o futuro. Na verdade, Frankl nos ensinou que contextos de sofrimento são, efetivamente, oportunidades: oportunidades para o ‘florescimento humano’ (eudaimonia), o que implica em o sujeito ser livre (com disposição para agir de forma autônoma e responsável diante das circunstâncias) em direção ao que ele entende como ‘sentido’, o que lhe conduz, por fim, ao sentido da vida, o qual lhe é peculiar e o qual ele alcança de maneira individual, livre e original. 

Além das histórias narradas por Frankl, a partir de seus anos em campos de concentração, há, por exemplo, a lição moral bíblica de Jó, o qual perdeu riqueza, filhos, saúde, etc, tendo sido provado para além dos limites da suportabilidade, mas se tornando, ao fim e sem sucumbir, um sujeito melhor. E notem que nem Frankl (e os demais prisioneiros cujas vidas ele relata) nem Jó tinham acesso a clonazepam, a fluoxetina e a fármacos do tipo (tão na moda atualmente). Ou seja, tiveram que resistir tendo como suporte a vontade alicerçada sobre a busca pelo sentido.

Mas nossa cultura, por outro lado, tem enaltecido sobretudo os prazeres imediatos, o hedonismo (a hedonia, não a eudaimonia – “florescimento humano”). Ou seja, nossa cultura, ao invés de incorporar e promover aquelas virtudes que ao longo do tempo asseguraram nossa resiliência, fomenta nossos vícios, nos afastando radicalmente de nossa humanidade (daquilo que nos torna especificamente humanos – não meros animais) e nos enfraquecendo. Em algum momento isso traria consequências mais abrangentes e terríveis. E eis que essas consequências são hoje mensuráveis por diversas pesquisas, dentre as quais aquelas referentes às psicopatologias entre os jovens. E o mais assustador é que esses são dados crescentes. Ou seja, estamos nos aprofundando no problema, ao invés de solucioná-lo. 

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A felicidade

Com efeito, dado que nossa principal força motivadora é a busca pelo sentido, não pelas alegrias (as quais fazem, não obstante, parte de uma boa vida também), ocorre que, quando focamos sobretudo nas alegrias, esquecemos o sentido (que deveria ser o horizonte de nossas alegrias). 

A atual cultura hedonista, relativista, niilista, imediatista, egocêntrica, tem promovido a formação de sujeitos também hedonistas, relativistas, niilistas, imediatistas e egocêntricos, incapazes de assumir responsabilidades perante a vida e em relação aos demais. 

A dissolução familiar, por exemplo, é em grande medida causada por essa mesma cultura. Desabituados ao comprometimento e à responsabilidade, e focados naquilo que a bióloga e antropóloga Helen Fisher denominou (ao tratar da bioquímica por detrás do amor romântico) de “fase do desejo” (na qual agimos motivados especialmente pelos hormônios testosterona e estrogênio), hoje raramente chegamos à fase mais elevada do amor romântico, a saber, a “fase da ligação” (na qual estão presentes especialmente os hormônios oxitocina e vasopressina). Essa fase ultrapassa a mera atração e a mera paixão, envolvendo laços profundos entre os amantes (assegurando sua dedicação um ao outro – o que inclui mesmo a fidelidade - e aos filhos oriundos dessa relação). 

Mas como a natureza precisa de uma cultura que a promova, o atual estado nos tem afastado dessa fase. Resultado? Segundo dados do IBGE, mais de 80% das crianças estão sob a responsabilidade apenas da mãe. Não apenas isso, quase 6 milhões de crianças sequer têm o nome do pai na certidão de nascimento. E todos sabemos que crianças criadas longe dos pais biológicos em ambientes dissolvidos são mais propensas à depressão, ao encarceramento, a sair da escola, ao suicídio, bem como a engravidar na adolescência (gerando um ciclo vicioso de nascimentos fora do casamento). Mas nossa cultura insiste em glamourizar a suposta “liberdade” sexual como se dessa prática não adviessem consequências, dentre as quais temos, além dos problemas sociais, indivíduos com vidas destruídas. 

Algo similar vem da glamourização do uso “recreativo” de drogas, do abuso do álcool, etc. Em suma, de práticas que enaltecem a busca por prazeres imediatos, de uma espécie de “felicidade bovina” (como diria o filósofo grego Heráclito, “se a felicidade estivesse nos prazeres do corpo, diríamos felizes os bois, quando encontram ervilha para comer”), em detrimento da felicidade peculiarmente humana, a qual está ligada ao encontro do sentido. Em suma, temos colhido os frutos de uma “contracultura” (fundada em um pseudointelectualismo) que solapou os valores que asseguraram por séculos a prosperidade individual e social. 

O crescente índice de jovens se automutilando das mais diversas maneiras, se vilipendiando mediante a promiscuidade, o uso de drogas e álcool e com o descuido com sua saúde, estética, etc, bem como se suicidando, apenas nos revela que nossa cultura tem fracassado em passar para as novas gerações os valores morais sobre os quais o mundo civilizado e humano foi fundado. Não apenas isso, nossa cultura não tem ensinado às novas gerações a importância da busca pelo sentido. Temos, assim, vidas sem sentido embebidas em clonazepam, fluoxetina, etc, as quais, quando já não funcionam os fármacos e as drogas ilícitas, findam em suicídio. 

* Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito. 

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