Ninguém, absolutamente ninguém, pode ter o direito de educar os filhos em casa no Brasil, não importa a qualificação dos pais para a tarefa, nem sua idoneidade comprovada, nem as evidências de aprendizagem ou socialização de seus filhos que sejam capazes de mostrar, nem os exemplos bem-sucedidos da modalidade no exterior. Nada importa. A educação domiciliar tem que ser proibida e a única educação formal que as crianças brasileiras podem receber é aquela dada exclusivamente em escolas.
Essa é a verdade crua, mas jamais dita com tão explícita precisão, presente na argumentação de quem se opõe à existência de uma lei sobre educação domiciliar no Brasil. Quando se retira o confuso verniz que mistura citações a documentos da educação escolar, com insinuações quase criminosas que tentam vincular o homeschooling a casos de abuso – mesmo que não haja nenhuma evidência, em nenhum lugar do mundo, que ligue uma coisa à outra - o que sobra é mera vontade de que nada mude, tateando desesperadamente por alguma narrativa que dê a esse ignorante rechaço uma aparência mais defensável.
Cada um dos supostos problemas apresentados por esses propagadores do ódio ao homeschooling pode ser solucionado com dispositivos apropriados que a legislação nacional deverá conter, exatamente como ocorre nas outras dezenas de nações mundo afora que já regulamentaram a prática há décadas. Com um texto equilibrado e cuidadoso, que concilie o direito de escolha das famílias com a necessária proteção social às crianças e adolescentes, o Brasil pode, sim, sair do atraso e igualar-se aos demais países que já incluíram essa modalidade em sua legislação.
Ocorre que mesmo essa possibilidade de texto equilibrado, fruto do diálogo e da legítima conciliação de interesses, parece inaceitável aos críticos mais viscerais do homeschooling, coisa que, felizmente, vemos com cada vez menos frequência nos debates relevantes sobre o tema. Falemos um pouco sobre o que dizem para camuflar seu ódio.
Ao apontar, escandalizados, para o risco da modalidade gerar crianças antissociais ou sem formação cidadã, esses críticos desonestos propositalmente omitem qualquer menção às experiências no exterior, de modo que seus ouvintes não saibam, por exemplo, que nos Estados Unidos crianças são legitimamente educadas pelo homeschooling desde 1972, sem que jamais houvesse qualquer constatação de que as gerações que passaram por essa modalidade se tornaram indivíduos estranhos na sociedade. Destaque-se que estamos falando dos Estados Unidos, um país que faz pesquisa sobre tudo, o tempo todo. Aliás, os exemplos de homeschoolers que viraram astros do cinema ou do esporte são numerosos, o que certamente contribui para o esforço dos caluniadores em manter silêncio sobre como funciona a educação domiciliar lá fora.
Quando cobram estudos científicos que comprovem a eficácia do homeschooling em relação à educação escolar, mais uma vez, propositalmente, omitem que a lei obviamente nada dirá sobre qual método é melhor, mas estabelecerá o direito de escolher a modalidade. Educação domiciliar não é política pública, é uma questão de direitos. É insensato e impossível fazer uma comparação justa entre educação escolar e domiciliar, já que no caso do homeschooling, por não ser um sistema massificado, mas sim personalizado, os resultados tendem a variar muitíssimo e dependem completamente da realidade de cada família.
O argumento generalizante de que “as famílias não estão preparadas” chega a ser constrangedor, especialmente quando dito pelas mesmas pessoas que, em tese, apreciam muito os rigores da ciência. Aparentemente, se o objetivo é difamar o homeschooling, uma frase feita proveniente do senso comum mais raso torna-se suficiente, pois é difícil acreditar que alguém dedicado ao tema e dotado de inteligência nem sequer cogite o fato de que algumas famílias podem, sim, estar preparadas, e podem, inclusive, estar dispostas a provar isso.
Convenhamos, essa e outras deduções semelhantes não são difíceis de se fazer. Portanto, desconfie da razoabilidade de quem se opõe de forma pertinaz a toda e qualquer possibilidade de legislação que regulamente a educação domiciliar no Brasil. Provavelmente você está lidando com alguém que, apesar do discurso, não dá a mínima à consistência dos argumentos. Essa pessoa simplesmente quer que o direito de educar em casa continue sendo negado a todos, em qualquer circunstância, só que não pode admitir isso. É feio demais.
Jônatas Dias Lima é jornalista e presidente da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal (Fameduc-DF). E-mail: jonatasdl@live.com.