"Meu filho, de 14 anos, estudava em uma instituição de ensino mundial, que se diz cristã. Durante o ano passado houve diversas situações de constrangimento, provocadas tanto por monitores da escola como por outros alunos. Ele foi agredido física e verbalmente, recebeu apelidos maldosos por estar acima do peso, teve a mochila roubada e encontrada depois no lixo. Tivemos reuniões na escola e vários e-mails foram trocados com o diretor da escola. Chegamos a protocolar um requerimento pedindo uma resposta da escola diante das situações, mas até hoje não temos resposta se algo foi feito para resolver o assunto. A pessoa responsável pelas escolas apenas ficou de marcar uma reunião, mas até hoje estou aguardando. O diretor da unidade sempre procurava reverter a situação contra o aluno, mas sem provar nada. No fim do ano passado nosso filho foi obrigado a assinar um termo de compromisso para poder continuar a estudar, ou seria convidado a se retirar. Obviamente não o rematriculamos neste colégio."
Gerson G., pai de estudante que sofreu bullying.
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Entrevista
Luciene Tognetta, psicopedagoga, doutora em Psicologia Escolar pela Universidade de São Paulo (USP) e autora dos livros da coleção "Falando de sentimentos", pela Editora Adonis, que tratam de afetividade e bullying na escola.
Qual a diferença de abordagem com a vítima do bullying e com o agressor? O agressor sempre é uma ex-vítima?
O agressor tem a intenção de ferir, ele precisa menosprezar o outro para se sentir melhor, mas nem sempre é uma ex-vítima. Ele pode ser uma criança ou adolescente que simplesmente carece de sensibilidade moral a ponto de não conseguir se colocar no lugar do outro. O que torna o bullying algo tão terrível é, de fato, ser uma forma de violência repetida e entre iguais, ou seja: o que mais se quer na vida, depois de passar pela fase da obediência à autoridade, é se sentir pertencente a um grupo, é conquistar a confiança de um igual. Por isso é tão terrível quando meus pares me menosprezam.
As escolas dizem que passam valores de igualdade e respeito para os alunos, como forma preventiva contra o bullying. Isso é suficiente? O que mais deve ser feito no ambiente escolar?
Primeiro, é preciso lembrar que "passar valores" é muito diferente de se formar personalidades éticas. Valores não são transmitidos, são construídos. São vividos na experiência dos conflitos cotidianos em que se pode pensar sobre os problemas que se tem, ouvir os envolvidos que podem dizer como se sentem, que não gostam de ser violentados. É importante ajudar os meninos e meninas que carecem de sensibilidade moral a se comoverem com o outro. Formar valores depende de um trabalho sistemático e preventivo, dia a dia, com a participação das crianças nas decisões, nas escolhas, no planejamento, na avaliação do dia. Ética é vacina e não remédio. Se bullying é um problema decorrente da falta de ética, é porque a vacina tem faltado nas escolas.
Há quem não acredite em bullying e que diga que na infância também existiam apelidos e brincadeiras e que ninguém teve problemas por causa disso. Qual sua opinião sobre isso?
Cada um de nós, hoje adultos, que passamos um dia por situações de bullying, talvez não saibamos em plano consciente o que essas situações causaram em nós. Mas, inconscientemente temos as marcas: quantos de nós se sentem inferiorizados diante dos outros, quantos de nós não sabem fazer escolhas, quantos de nós têm uma dificuldade de entender o outro, de respeitá-lo em suas diferenças? Essa é a maior consequência para aqueles que acham que foi uma simples brincadeira.