A multiplicação dos celulares com câmera, a popularização das redes sociais e o acirramento do clima político geraram em escolas país afora um fenômeno cujas consequências já se debatem no Legislativo: gravações em que alunos flagram professores cometendo o que parecem ser atos de pregação política – ou outros excessos – em sala de aula. (Veja exemplos aqui: 1, 2, 3)
De um lado, defensores de organizações como o Escola Sem Partido argumentam que a gravação é um direito do estudante, especialmente em instituições públicas de ensino. De outro, sindicatos de professores alegam que a medida é ilegal e fere os direitos dos docentes. E o Brasil não é o único país em que o assunto veio à tona.
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Como o tema ainda é recente, a maior parte dos países não tem legislação específica a respeito. Nos Estados Unidos, por exemplo, juristas costumam mencionar uma lei federal que autoriza a interceptação de comunicações, desde que feita por uma das partes. Ou seja: é permitido, por exemplo, que o participante de uma conversa telefônica grave o diálogo mesmo sem o consentimento da outra parte. A mesma regra seria válida para o ambiente da sala de aula.
A gravação de imagens, por vezes, acaba se demonstrando útil.
Outros países
Em Utah, um professor universitário acabou perdendo o emprego depois de admitir, durante uma aula que estava sendo gravada, que consumia imagens de pornografia infantil. Agora, ele está sob investigação da polícia. O caso aconteceu no fim do ano passado.
No Texas, até mesmo a Associação dos Educadores Profissionais, uma espécie de sindicato, reconhece que as filmagens em sala de aula são permitidas porque não há “expectativa de privacidade”, em linha com o que defendem as autoridades estaduais de educação. “Mesmo que outros estudantes sejam filmados nessas gravações, não é preciso haver autorização dos pais”, diz um documento produzido pela associação para tirar dúvidas a respeito do tema.
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Também no Texas, uma lei aprovada no ano passado exige que as escolas públicas instalem câmeras em salas de aula que abriguem alunos especiais, caso os pais ou funcionários solicitem. O objetivo é evitar que esses jovens sejam vítimas de abusos, já que muitos deles têm capacidade de comunicação reduzida.
Na Itália, onde o equivalente ao Ministério da Educação (MEC) autoriza que os alunos usem o aparelho celular na escola, o entendimento é o de que as gravações são permitidas para fins particulares. Uma cartilha divulgada em 2017 pelo governo italiano alerta para os riscos da divulgação das imagens sem consentimento (por exemplo, em redes sociais). Mas o ato de filmar, por si mesmo, não é vedado no ambiente escolar.
A China, pouco preocupada com a privacidade, talvez tenha ido longe demais: além de instalar câmeras nas salas de aula, está testando um sistema que filma os próprios estudantes e adota técnicas de reconhecimento facial – segundo o governo, para compreender melhor a dinâmica da sala de aula e melhorar o desempenho dos alunos.
Outras legislaturas mundo afora optaram pelo caminho contrário.
Nos Estados Unidos, a Califórnia tem uma lei estadual que proíbe expressamente a filmagem das aulas. Na França, o próprio uso do celular nas escolas foi banido, até mesmo durante os intervalos – segundo o ministro da Educação Jean-Michel Blanquer, a nova regra é importante para combater o chamado cyberbullying justamente por evitar que alunos fotografem e filmem uns aos outros – e aos professores.
Brasil
No Brasil, o debate sobre a legalidade das filmagens está em ebulição. Sindicatos de professores se opõem frontalmente à prática, alegando que ela serve para intimidar e constranger docentes.
No Maranhão, um decreto assinado pelo governador Flávio Dino (PCdoB), no fim do ano passado, estabeleceu que os professores e funcionários de escolas (bem como os estudantes) só podem ser gravados, em áudio ou vídeo, se derem consentimento.
Em dezembro, o Conselho Estadual de Educação do Ceará aprovou uma resolução de teor semelhante: ela impede as gravações. E, mais recentemente, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Vereadores de Fortaleza (CE) aprovou um projeto de lei que proíbe estudantes de filmarem professores em sala de aula “para fins de constrangimento ou violação de direitos”.
Mas, para os defensores do Escola Sem Partido, a tentativa de impedir a gravação das aulas no âmbito estadual só demonstra que a Constituição e a legislação federal não proíbem a prática.
Direito
“É criminoso negar aos alunos e pais o direito de gravar as aulas”, protesta Miguel Nagib, fundador do Escola Sem Partido. Para ele, os pais têm o direito de saber, em detalhes, o que acontece dentro da sala de aula.
O Escola Sem Partido oferece em sua página na internet um modelo de petição para os pais que quiserem fazer valer essa prerrogativa – pelo menos no que diz respeito a gravações de áudio, em escolas públicas.
“A educação é serviço público sujeito ao princípio constitucional da publicidade. Vale dizer: o professor, em sala de aula, não pode reivindicar o direito à privacidade e, muito menos, ao sigilo”, diz o documento.
O procurador Ailton Benedito, do Ministério Público Federal em Goiás, concorda. “O professor de escola pública está praticando um ato de ofício, de natureza pública. Não vejo impedimento para a gravação. O uso das imagens filmadas é que pode dar ensejo a algum tipo de consequência, se for um uso ilícito”, analisa. Por exemplo: o aluno não pode transformar a gravação em uma vídeo-aula para ganhar dinheiro com isso, ou fazer montagens que apresentem o professor de forma vexatória.
Segundo Benedito, o uso das imagens deve ser analisado caso a caso. Mas, em si, a filmagem não é vedada por lei. E tudo o que não é proibido por lei é permitido ao cidadão.
Imagens gravadas por celular foram essenciais para que um professor goiano fosse demitido após agredir um estudante em Bom Jesus de Goiás, no fim de 2017. Em abril deste ano, o professor de uma escola particular de São José dos Campos (SP) perdeu o cargo por ter usado termos chulos ao se referir ao presidente Jair Bolsonaro e seus eleitores durante uma aula. A cena foi registrada em vídeo.
Aliás, em um ambiente que, muitas vezes, beira o caos, as câmeras servem para proteção do próprio docente. No caso mais recente, registrado há poucos dias, a Polícia Civil de São Paulo decidiu apreender oito menores de idade agredindo uma professora, dentro de sala de aula, em Carapicuíba. O episódio foi filmado por outro estudante, o que foi essencial para o trabalho dos investigadores.
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Nas escolas particulares, por princípio, vale a mesma regra, com uma exceção: se o veto a filmagens estiver explicitamente mencionado no contrato assinado pelos pais. Nesse caso, a gravação das aulas não deve ocorrer. “Há que se verificar o que foi estabelecido contratualmente. Se não houver nenhuma menção contratual, não vejo nenhuma ilicitude na gravação”, explica Benedito.
Mas mesmo nesses casos há um porém: em um caso flagrante de ilícito, diz o procurador, a filmagem é justificável. Seria como um frequentador de cinema sacar seu celular (o que, em tese, é vedado) para registrar uma agressão dentro da sala de projeção. “Qualquer pessoa que esteja numa situação de vítima de um ato ilícito tem o direito de filmar esse ato para permitir a eventual responsabilização do autor desse ato”, explica Benedito.
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