No longo caminho de tramitação do homeschooling no Congresso Nacional, partindo do correto intuito de defender a urgência na aprovação de uma lei, alguns defensores caem num equívoco desnecessário que pode ter consequências injustas. Refiro-me ao argumento de que a lei sobre educação domiciliar servirá para atender apenas, ou principalmente, as famílias que já aderiram à prática. Sem dúvida, é verdade que hoje são elas que mais precisam de uma lei para tirar-lhes da clandestinidade na qual se encontram. Mas essa situação não justifica a tese de que são as expectativas dessas famílias, e apenas delas, que devem ser atendidas pela lei que virá.
A partir do momento em que a educação domiciliar for incluída na legislação brasileira, logicamente, a modalidade estará à disposição de todas as famílias que quiserem usufruir do direito de praticá-la, contanto que cumpram os pré-requisitos que a lei trará. Isso vale para esta e para as próximas gerações, ao menos até que a lei mude.
Convém destacar que, hoje, quem já pratica a modalidade mesmo sem lei, o faz porque nutre a convicção de que educar os filhos dessa maneira é tão importante que compensa, inclusive, o risco de ter problemas com a justiça. Alguns desses, aliás, talvez para aliviar a própria preocupação, prosseguem fiéis à crença de que a Constituição e tratados internacionais lhe garantem o direito de fazer o que fazem, mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2018, tenha rechaçado essa tese por largo placar e declarado textualmente que esse direito “não existe” e que precisa ser “criado por lei”.
Contudo, há evidências de que uma porcentagem nada desprezível da população brasileira se interessa pelo assunto e, dependendo do que a legislação disser, cogitaria aderir ao modelo. Em fevereiro de 2020, a Câmara dos Deputados revelou que o Projeto de Lei 2401/2019 era o mais acompanhado eletronicamente entre todas as propostas em tramitação na Casa naquele momento. Trata-se do projeto elaborada pelo próprio governo federal para regulamentar a prática e que está apensado ao projeto 3179/2012, sob a relatoria da deputada Luísa Canziani.
Em março desse ano, o DataSenado fez um levantamento sobre o tema com perguntas mais diretas, uma delas questionando claramente se o entrevistado “optaria por esse regime de ensino”, caso fosse permitido. As respostas afirmativas ficaram em 41%, numa amostra que envolveu 2.400 entrevistados. O nível de confiança do levantamento é de 95%.
Parece-me bastante razoável supor, portanto, que há famílias brasileiras que querem aderir ao homeschooling, mas não estão dispostas a fazê-lo na ilegalidade, por isso, aguardam ansiosamente a aprovação de uma lei para realizar o sonho de educar os filhos da forma como acham melhor, e não da forma como são obrigadas a fazer hoje. Esse público também precisa estar no radar dos legisladores.
Parte dessas famílias, provavelmente, migrará da educação escolar para a domiciliar, então, estarão acostumadas com o vínculo a uma escola, conforme previsto no parecer da relatora. As avaliações periódicas também não serão nenhuma novidade, bem como as eventuais conversas com a equipe pedagógica da escola, sempre que a família considerar necessário.
Diante disso, embora o texto da relatora seja realmente rigoroso, é inevitável notar como algumas das reclamações feitas por defensores do homeschooling soam exageradas, pois são provenientes de apenas um nicho. Legítimo, é verdade, mas ainda assim pequeno, e que se incomoda mais com a parceria das escolas do que a média da população brasileira. Considero um erro supor que todos ou mesmo a maioria dos interessados e potencialmente beneficiados pela lei de homeschooling pensem dessa forma. Para muitos, basta que haja lei e que suas exigências sejam razoáveis.
Cabe lembrar, inclusive, que esse modelo de vínculo com escolas é adotado na maioria dos estados norte-americanos e em vários países com homeschooling legalizado, como Portugal, França e Rússia.
Há outros formatos? Há. Seriam aprovados pela atual formação do Congresso Nacional? Definitivamente, não. Portanto, lutemos pela melhor lei possível, mas não deixemos que a intransigência e o apego excessivo a um único modelo comprometam a própria existência da lei. Essa e as futuras gerações de homeschoolers dependem dela.
Jônatas Dias Lima é jornalista e presidente da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal (Fameduc-DF). E-mail: jonatasdl@live.com.
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