Como seria estudar em uma escola sem livros ou apostilas, ao som de uma ópera de Bizet, com visitas a exposições de artistas europeus e, principalmente, sem provas. Pois uma escola como esta existiu no início da década de 50, em uma chácara no bairro Água Verde, em Curitiba, quando a área ainda era de zona rural. Em uma época em que o sistema de ensino era muito rígido, o pedagogo Erasmo Pilotto e o professor Rozala Garzuze fundaram a Escola Moderna Dario Vellozo, uma instituição libertária, que funcionava onde hoje é a biblioteca do Instituto Neo-Pitagórico (INP).
No local, atualmente, são oferecidos cursos de extensão cultural. Então neste dia 15 de outubro, data em que se comemora o Dia do Professor, nada melhor do que relembrar esta época de tentativa de um ensino ousado na capital paranaense.
Na mesma chácara, tombada pelo Patrimômio Histórico e que ocupa uma quadra inteira no bairro, também mora o presidente do INP, Rozala Garzuze, de 99 anos, com familiares. Entre os que lá residem, está a sobrinha de Garzuze, professora Radhail Vellozo, 85, que é quem conta a breve história desta escola com ares de revolucionária. Radhail é neta do poeta Dario Vellozo, que deu nome à Escola Moderna.
Fundada em 1952, a instituição funcionou por apenas dois anos e era freqüentada por crianças carentes, a maioria com idades entre seis e 12 anos. "Era um tipo de escola que oferecia pedagogias diferenciadas, não era um tipo de escola oficial. Ele (Pilotto) tinha um método todo especial", conta Radhail. Segundo a professora primária aposentada, foi um projeto em caráter experimental que não pôde seguir adiante. "Pilotto tinha outras prioridades, então em 53 ele deixou a escola e em 54 ele viajou para a Europa", relata. O pedagogo Erasmo Pilotto, nascido em 1910 e morto há cerca de dez anos, é considerado uma das maiores personalidades do país na área de educação, assim como Paulo Freire. Piloto foi Secretário de Estado da Educação de 1942 a 1949, pouco antes de fundar a Escola Moderna.
A professora Radhail assumiu o comando da escola somente em 1956, quando já era o Instituto Neo-Pitagórico. A escola teve que se tornar uma instituição do governo do estado, do contrário seria fechada. Lá, Radhail lecionou a crianças do chamado primeiro ano, hoje primeira série do ensino fundamental, por 20 anos. Naquela época, os métodos já não eram os mesmos de Pilotto. A escola teve que adotar o sistema oficial do governo, com cartilhas e muitas regras.
Apesar disso, a professora Radhail não permitiu que o sistema "moderno" de Pilotto fosse deixado de lado e pôs em prática do jeito que pôde. "Eu não adotei o sistema dele, porque como professora estadual eu tinha que seguir a regra oficial. Mas como eu tinha aprendido muita coisa com o professor Erasmo, eu adotava por minha conta. Fazia jogral (tipo de poesia que um fala e os outros repetem) - na época isso era moderninho -, contava histórias, para cada um ensinava uma quadrinha para que decorassem, coisinhas assim", explica.
Radhail não chegou a ter contato com a instituição enquanto Escola Moderna. Muito do que a professora sabe é com base em escritos da época, feitos pelas próprias crianças. "Uma das coisas que os alunos tinham que fazer era um diário contando o que tinham feito em cada dia de aula. O documento que eu tenho mais importante da escola são os diários das crianças". A finalidade, segundo Radhail, era, principalmente, a redação e a memorização.
De acordo com os diários, Radhail verificou que o professor Pilotto fazia visitas a museus, como o dia em que os alunos visitaram uma exposição de Guido Viaro na Escola de Belas Artes; ou o dia em que as crianças relataram uma aula em que ouviram a ópera Carmen, de Bizet; ou ainda o dia em que assistiram a um filme sobre Paris. Por tudo isso, a professora Radhail classifica a Escola Moderna como "um tipo de escola de alto nível".
Para ela, atualmente o ensino no Brasil está defasado e é muito grande a pressão em cima dos alunos. "Tenho uma amiga que tirou o filho de uma escola particular muito conhecida aqui em Curitiba porque o filho ficava muito nervoso com o método", conta. Radhail prefere não lançar uma opinião mais detalhada sobre o ensino atualmente, por não estar tão a par em virtude da aposentadoria. Mas, para ela, "o que falta hoje em dia não é tanto a instrução, mas sim a educação. Na aula do professor Erasmo as crianças tinham muita liberdade, mas tinham muita disciplina. Ele exigia disciplina de qualquer forma", diz.
Radhail conta que os 23 anos como educadora só lhe deixaram boas lembranças da profissão, apesar das pedras no caminho. "Comecei com certa dificuldade, mas gostava de ver a evolução, a aprendizagem, o desenvolvimento das crianças. Gostava de alfabetizar, porque a criança é sempre uma surpresa. Foi uma experiência valiosa. Aos poucos tive que aprender a lidar com as crianças e cheguei à conclusão que cada um é um e tem a sua personalidade", conclui a professora.
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