Os números pioram e, enquanto isso, parece que a sociedade continua a "varrer o assunto para debaixo do tapete". Segundo a OMS, todos os anos, aproximadamente 800 mil pessoas cometem suicídio. Entre aqueles que têm de 15 a 29 anos, esse é o segundo principal motivo de mortes.
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Mas o tema ainda é de difícil solução. Afinal, o que, de fato, deve ser feito para que as pessoas não desistam da vida e encontrem a ajuda que precisam?
Engajados no assunto, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e a Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) concordam que as as instituições de ensino superior devem trabalhar o tema de forma mais profunda e direcionada. Por isso, a pasta decidiu fomentar, como já ocorre em diversas grades curriculares, a disciplina chamada de "inteligência emocional" - capacidade de entender as próprias emoções e lidar com elas.
Nesse sentido, foi firmada uma parceria que implementará um programa de capacitação aos alunos dos cursos de licenciatura, a fim de que no futuro os professores estejam melhor preparados para reconhecer sinais de que alguém (aluno) tem ideação suicida ou se automutila.
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Muitos consideraram a medida "uma ideia sem nexo" ou "reducionista e simplista". À Gazeta do Povo, Elizabeth Guedes, presidente da Anup, explica a importância de se trabalhar nas universidades questões como "resiliência, sensibilidade e bullying". Saber, por exemplo, "conviver com as decepções e frustrações" pode evitar decisões extremas como o suicídio, segundo ela.
Leia a entrevista:
Qual a importância da inteligência emocional?
Não basta você ser um engenheiro ou um médico, você tem que ser alguém internamente estável, e entender que nosso mundo é cheio de frustrações.
Sendo assim, também tem de saber que vai enfrentar pessoas que não gosta, que vai sofrer rejeição. Contra isso, é preciso desenvolver resiliência, é preciso olhar o outro. E tudo isso é inteligência emocional.
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De onde surge a iniciativa do MDH e Anup de trabalhar mais profundamente - pois já existem disciplinas de inteligência emocional em diversas grades curriculares do ensino superior - essa questão dentro das universidades?
Essa questão de prevenção ao suicídio e automutilação é, na verdade, um trabalho antigo que a Damares Alves vinha empreendendo, mesmo antes de ser ministra.
Em conjunto, pensamos o que seria possível fazer através das nossas universidades. Não é apenas uma disciplina, como muitos estão dizendo. É um programa de centros de acolhimento nas instituições, para trabalhar, dentro das grades curriculares da universidade, a questão da empatia, resiliência, a aceitação da diversidade, a necessidade de entender o outro, o combate ao bullying.
Esses centros, na verdade, capacitarão professores e colaboradores para reconhecer os sinais de alguém que está em sofrimento profundo, que tem ideação suicida, que se autolesiona.
O que será discutido dentro da nova disciplina de inteligência emocional que será implementada nos cursos de licenciatura?
É importante dizer que não é uma disciplina para ficar discutindo coisas irrelevantes. Nela, vamos abordar assuntos como resiliência, sensibilidade, bullying. Todas as coisas que são importantes para o amadurecimento profissional e pessoal do aluno.
É uma capacitação para lidar com a questão do suicídio e automutilação, para que os alunos, futuros professores, percebam sinais de que alguém está em sofrimento profundo. A partir disso, queremos capacitá-los para conversar com essas pessoas e orientá-las, encaminhá-las a psicólogos, para que tenham atendimento e, dessa forma, evitem que tomem medidas extremas sozinhas.
É preciso que os professores e os alunos comecem a olhar uns para os outros com outro olhar, com empatia. A ideia da disciplina é chamar a atenção dos nossos jovens para essa necessidade de ficar perto do outro, de prestar atenção no sofrimento, de combater toda forma de bullying, discriminação, perseguição religiosa, opção sexual, ou o que quer que seja. A gente precisa, sobretudo, que os professores estejam atentos.
As pessoas têm que ser deixadas em paz e, ao mesmo tempo, ser acolhidas. Esse é o ambiente que nós pretendemos ter nas nossas universidades e, depois, nas escolas. E importante: é deixar em paz, mas não deixar sozinho.
As universidades, hoje, parecem não dar a devida importância ao assunto, deixando de capacitar os futuros professores. Certo?
Os índices de suicídio e automutilação crescem, e essa continua sendo uma discussão que a sociedade não tem. Não digo que as universidades se omitem, mas não tocam, não abarcam esse tema.
É importante que a gente traga essa discussão para o espaço de amadurecimento profissional e pessoal que são as universidades. Levar isso para o universo dos nosso alunos, capacitá-los para compreender o sofrimento e ajudar o outro, é isso que pretendemos fazer.
Você acha que, no país, ainda estamos esperando algo acontecer - como, por exemplo, o massacre na escola Raul Brasil, em Suzano, motivada, entre outras questões, por questões de bullying e sofrimento - para agir nesse sentido?
Os dois rapazes que invadiram a escola passavam cinco horas por dia trancados dentro de um carro. Alguma coisa estava errada, mas ninguém foi lá ver o que eles estavam fazendo. O que tanto guardavam naquele carro?
Sabe o que é isso, na verdade? É um excesso de manter a privacidade do outro de tal maneira que as pessoas ficam sozinhas, e cometem atos desesperados, fazem coisas desesperadoras como esses meninos de Suzano fizeram.
Há vários casos de suicídio nas universidades e, para você ter uma ideia, sabe o que as famílias fazem? Elas subnotificam a questão, ou seja, dizem que o estudante se envolveu em um acidente de carro, que teve um infarto, mas não dizem que ele se suicidou.
Após o anúncio, alguns educadores criticaram a medida e disseram que é "simplista".
Essa é a crítica é típica de quem não faz nada, e quando vê alguém fazendo algo, diz que é simplista. É simples: para quem não faz nada, tudo é simplista.
Eu tenho conversado com especialistas e, pelo contrário, o ponto de vista deles é bem diferente. Dizem que é muito importante engajar as universidades nisso.
O que a gente espera, com isso, é que dentro da escola caiam os níveis de suicídio, com uma ação e cuidado coletivo. Queremos que as pessoas encontrem no esporte, na música, nas atividades acadêmicas, no convívio com seus colegas e na conversa com essas pessoas, que estão vendo que ele está triste, um jeito de sair desse mundo sombrio.
É um lugar horroroso onde eles vivem, sozinhos, pensando em coisas e, muitas vezes, sofrendo bullying. Essa é uma discussão muito importante dentro da escola.
Questionamos, na disciplina, por exemplo, "qual é o seu direito de perseguir o outro?", "qual é o seu objetivo?", "você pensa que tem como direito perseguir o diferente, o fraco, o que tem cor diferente da sua, sexo diferente do seu?", "quem te garante, quem te dá esse direito?".
Ou seja, se as pessoas acham que isso é simples, puxa... eu quero convidar essas pessoas que disseram isso para elas serem minhas professoras. Se acham que isso é simples, o que, então, é complexo? Depois que o garoto se matou, não adianta. Depois que ele foi, não volta mais, não tem mais jeito.