Não é exatamente com surpresa que deve ser recebida a nota do presidente da Capes, Abílio Baeta Neves, ao Ministério da Educação, informando que a atual previsão orçamentária para 2019 implicaria a suspensão do pagamento de bolsas e auxílios a partir do mês de agosto do ano que vem. Que a situação seja preocupante, não há dúvidas, mas estamos diante de uma tragédia anunciada já há alguns anos.
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Antes de passar à breve análise da conjuntura atual do sistema nacional de pós-graduação, é importante frisar um ponto: trata-se de uma comunicação intra-ministerial em reação a uma proposta orçamentária ainda não aprovada. Há uma negociação política em curso, um cabo-de-guerra entre a Capes e o Congresso Nacional, portanto. Tudo isso para dizer apenas que não se trata de uma decisão definitiva; pelo contrário, a negociação pesada vem agora. Vejamos como se chegou até aqui.
Tendência de cortes
É consensual o diagnóstico de que o governo federal priorizou a educação superior nos últimos quinze anos, em comparação à educação básica (ensino infantil, fundamental e médio). Matérias jornalísticas , falas de candidatos à presidência da República - como Ciro Gomes e Geraldo Alckmin em suas sabatinas na GloboNews essa semana - e mesmo a análise refletida e retrospectiva do ex-ministro Renato Janine Ribeiro, em seu livro A Pátria Educadora em colapso, convergem nesse sentido.
Após vasto crescimento orçamentário, impulsionado por programas como Fies e Ciência Sem Fronteiras, no entanto, a pasta da educação e seus órgãos responsáveis pelo ensino superior vêm sofrendo severos cortes. Após a reeleição de Dilma Rousseff, em 2014, o orçamento do MEC sofreu redução orçamentária de 19% para o ano de 2015. Desde então, ano após ano o contingenciamento é repetido, chegando no caso da Capes à ordem de quase um bilhão de reais por anualmente.
Não se trata, portanto, de uma novidade. Ao contrário, quem integra a comunidade científica brasileira já se habituou às más notícias e aos alertas de potencial suspensão de bolsas, auxílios e investimentos.
No entanto, o movimento de redução orçamentária não poderia continuar indefinidamente sem que houvesse consequências drásticas para a produção de conhecimento, ciência e tecnologia no país – calamidade a cujas portas nos encontramos no presente momento.
A comunidade científica e a sociedade civil
Não é necessário repetir os incontornáveis argumentos sobre a importância de investirmos em pesquisa no Brasil , nem tampouco martelar análises comparativas com qualquer país desenvolvido e seus orçamentos para ciência e tecnologia (Estados Unidos, Alemanha, França, Japão, Inglaterra, Coreia do Sul, China….escolham o exemplo que preferirem).
A questão que se impõe é a seguinte: se de fato é imprescindível investir em pesquisa, por que o anúncio de cortes na área da educação em geral, e na educação superior em particular é recebida com tanta passividade e naturalidade?
Essa postura é sintomática do estado da relação entre a comunidade científica e a sociedade civil: a comunidade acadêmica, científica e universitária não faz nem cócegas no jogo dos lobbies. 100% das bolsas da Capes não pagam nem os auxílios-moradia dos nossos digníssimos magistrados, mas na fila do ajuste os investimentos estratégicos vêm antes dos (sic) "penduricalhos".
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E isso porque somos deficitários em divulgação científica, em intervenção política e cultural, pois estamos mais e mais voltados para nós mesmos, nossas pesquisas (ultra-especializadas) e nossas carreiras, enlouquecendo (literalmente) e nos matando (literalmente) na infame Torre de Marfim.
Em parte, isso é consequência de um sistema de avaliação tosco, que privilegia impacto autorreferencial em detrimento de relevância "para além dos muros"; em parte, é resultado de uma postura esnobe, arrogante e pseudo-aristocrática que ainda reina silenciosa nas universidades.
É preciso chamar para si a responsabilidade e discutir seriamente a formação de "bancadas do conhecimento" nos legislativos federal, estaduais e municipais, cobrar autocrítica dos partícipes do processo de desenho das políticas públicas (como o ex-ministro Fernando Haddad, por exemplo, pouco aberto a avaliações críticas de sua passagem pelo MEC) e explicar para a sociedade por que, de fato, merecemos e precisamos da preservação desse investimento, colocando-nos à disposição para prestar contas e mostrar resultados sempre. Dar mais centralidade à divulgação científica, fazer movimentos para fora do circuito universitário e chamar a população para dentro.
Uma tragédia anunciada
A tragédia era anunciada em vários níveis: programas demagógicos caríssimos de baixo potencial de retorno (sim, estou falando do Ciência Sem Fronteiras ), expansão desenfreada e arbitrária de programas de pós-graduação (engrossando cada vez mais as fileiras dos doutores desempregados ) e, para completar o estelionato, estímulo ao ensino privado de baixa qualidade (e em áreas sem demanda efetiva) sustentado e superfaturado com dinheiro público .
De alguma forma, a comunidade universitária em todos os seus componentes precisa estar aberta a responder aos anseios sociais por accountability e por relevância. Só assim ela conseguirá se munir da legitimidade social necessária para tornar significativa e eficaz sua autonomia. Caso contrário, permaneceremos “soberanos” de nossas torres de marfim em ruínas, a olhar com desprezo para a “plebe” que circula abaixo, ao mesmo tempo que não somos capazes de compreender por que ela não se escandaliza com nossa paúra e não corre diligentemente ao nosso resgate – financeiro, inclusive.
*Rafael Barros de Oliveira é mestrando em filosofia na USP e pesquisador visitante na Université de Paris-Nanterre
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