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Uma das perspectivas mais importantes quando se trata de comparar é sobre a natureza ou identidade dos objetos comparados. A premissa de que se deve comparar coisas comparáveis é fundamental. Os rankings internacionais que classificam as universidades de pesquisa utilizam diferentes parâmetros e pesos para ordenar as distintas dimensões das atividades fim e meio das instituições. Considerar peculiaridades de um grupo específico de universidades de acordo com aspectos regionais ou socioeconômicos é ilustrativo e pode induzir reflexões importantes.
Nesse sentido, o ranking universitário das economias emergentes (Emerging Economies University Rankings) produzido pelo Times Higher Education (THE) leva em conta as prioridades de desenvolvimento das universidades desse conjunto particular. A edição de 2022, divulgada em 19 de outubro de 2021, classifica o desempenho de 698 universidades de cerca de 50 países considerados de economia emergente segundo o Financial Times Stock Exchange (FTSE). A nota final desse ranking é composta com peso de 30% para o ensino, 30% para pesquisa (volume, receita e reputação), 20% para as citações aos trabalhos publicados, 10% para a internacionalização e 10% para os recursos provenientes da transferência de conhecimento.
O Brasil tem 59 universidades na edição recém lançada e é o quarto país nesse quesito, atrás da China, Índia e Rússia. São seis as universidades brasileiras entre as 200 melhores: Universidade de São Paulo (na 19ª posição), Universidade de Campinas (48ª), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (92ª), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (163ª), Universidade Federal de Minas Gerais (168) e Universidade Federal de Sergipe (190ª). Como observado nas últimas edições, o grande destaque aqui é a China, com 97 universidades ranqueadas, 7 entre as 10 e 51 entre as 200 melhores. As universidades russas também melhoraram consideravelmente nessa edição e o país é o terceiro em número de universidades no ranking, passando de 48 da edição passada para 60 na edição de 2022. A série histórica do desempenho da Universidade de São Paulo nesse ranking parece estar na contramão na melhoria contínua experimentada por algumas instituições desse grupo. A figura a seguir ilustra o desempenho da USP em nove edições do ranking universitário das economias emergentes do THE. Entre 2014 e 2021 a USP se manteve entre o 9º e o 15º lugar, com a melhor posição alcançada em 2016. Na edição de 2022 a queda para a 19ª posição salta aos olhos. Diferentemente do observado no ranking global do THE, em que a USP aprece nas duas últimas edições no bloco das universidades entre as posições 201 e 250 (jornal.usp.br/?p=463670), a comparação com instituições similares permite ainda uma análise mais detalhada do seu desempenho ao longo dos anos.
A análise da evolução temporal dos itens que compõem a nota final nas últimas quatro edições desse ranking não evidencia a existência de problemas específicos que expliquem a queda da USP. A impressão é que, estagnados, estamos sendo ultrapassados por outras universidades. É um caso específico, mas importante pois envolvendo a melhor universidade do Brasil. Ao contrário do frequentemente argumentado, refletir sobre e debater com transparência o desempenho internacional das universidades brasileiras não significa dar as costas às necessidades e desafios locais. Buscar a excelência nos itens considerados nesses rankings não pressupõe negligenciar problemas nacionais como inclusão social, desigualdades, etc. Aliás, muitos dos problemas que enfrentamos aqui também existem nas universidades dos países emergentes.
Enfim, ignorar os rankings internacionais não parece uma boa estratégia, ser autocentrado pode custar ainda mais caro. Como muito bem dito por Andrés Oppenheimer no ótimo e atualíssimo Basta de histórias! é preciso “romper nossa cegueira periférica, olhar menos para o espelho e mais pela janela”.
* Hamilton Varela é professor titular do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo