Desde que foram criados, no início do século 20, os testes medidores de QI (quociente de inteligência) exercem um enorme impacto nas sociedades modernas. Não há pesquisa de capacidade mental que não use as versões atuais da ferramenta ou suas correlatas – as utilizadas atualmente em meio acadêmico são as escalas de Wechsler. Como classifica pessoas numericamente e foi usado na história para segregar grupos, especialistas tentam encontrar outros métodos de medição. Mas nenhuma das alternativas propostas até agora conseguem resultados tão exatos para as pesquisas.
TESTE: Conheça as suas habilidades específicas
Como não há um consenso científico até hoje sobre o que é a inteligência, o principal incômodo do teste de QI é ter a pretensão de definir um valor global de inteligência em cada indivíduo, que se manifestaria em todas as atividades intelectuais da pessoa, associado a um fator específico de cada ação realizada. Essa teoria (conhecida como Fator G), desenvolvida pelo inglês Charles Spearman, foi modificada pelo americano David Wechsler, que reestruturou esse conceito dizendo que existiria em cada pessoa uma construção global de inteligência, caracterizada pelo comportamento do indivíduo, formada por habilidades específicas qualitativamente diferentes.
Mesmo com o relevo a competências específicas, a escala de Wechsler (revisada várias vezes, sendo que a última versão adotada no Brasil é a chamada WISC-IV para crianças e WAIS-IV para adultos) não mudou totalmente a ideia de fundo do Fator G, já que acaba por apresentar um número final de QI de inteligência, mesmo que matizado pelas habilidades. Ou seja, qualifica as pessoas de acordo com QI alcançado nos testes; se o QI variar entre 85 e 115, a inteligência estaria na média da população, fora dessa faixa estariam ou pessoas com deficiência intelectual (abaixo de 85) ou superdotadas (acima de 115).
Na década de 80, a teoria das Inteligências Múltiplas do psicólogo americano Howard Gardner conseguiu relativizar um pouco a força dos testes de QI em meio acadêmico. Na verdade, afirmou, existiriam oito tipos de inteligência (lógico-matemática, intrapessoal, espacial, corporal-sinestésica, interpessoal, musical, linguística e ambiental) e não uma. Dessa forma, o jogador de futebol Garrincha, por exemplo, que não tinha um QI considerado alto, seria um gênio dos movimentos, contemplados na inteligência corporal-sintestésica. A partir de Gardner, Daniel Goleman criou a famosa tese da Inteligência Emocional, segundo a qual os testes de inteligência não calibrariam habilidades como o domínio das próprias emoções, a empatia e outras questões afetivas.
“Os testes na internet, sem o acompanhamento de um psicólogo podem ser prejudiciais”.
Essas duas teses tiveram aceitação rápida do grande público, principalmente entre educadores, pois dão fundamento à criação de novas abordagens para alunos com diferentes competências, sem marginalizar ninguém. O número final do QI não importaria tanto quanto descobrir em qual lugar uma pessoa poderia manifestar melhor suas qualidades específicas.
Festejada, a teoria de Gardner, no entanto, não conseguiu desbancar a credibilidade dos testes de QI. Ainda que a neurologia ateste a multiplicidade das funções cerebrais, a tese das Inteligências Múltiplas suscitou críticas por ser fundamentada principalmente com argumentos e intuição, e não em comprovados estudos empíricos.
Um dos recentes golpes contra os testes de QI foi dado por um grupo da universidade canadense de Western Ontario, liderado por Adam Hampshire, em 2012. No estudo Fractionating Human Intelligence, os pesquisadores defendem que os testes de QI não medem a inteligência, mas só registrariam corretamente o desempenho da memória de curto prazo, o raciocínio e a capacidade verbal e, portanto, só por eles não seria possível afirmar que uma pessoa é mais inteligente que outra.
Apesar de publicado em uma revista renomada, a Neuron, o levantamento canadense não deixou de ser criticado por um grupo de pesquisadores na Inteligence. E, mais do que contestado, as suas conclusões não mudaram a prática das pesquisas pelo mundo. Uma busca rápida em base de dados internacionais de prestígio, como PUBMED ou PsyINFO, mostra uma quantidade vasta de pesquisas científicas que utilizam testes de QI, não apenas na área de psicologia, mas também em neurologia e psiquiatria. “Isso acontece porque não existe outra ferramenta mais precisa; a técnica é rápida, eficiente e fidedigna”, explica José Aparecido da Silva, professor do departamento de Psicologia do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), autor de diversos livros sobre o tema.
Inteligência on-line
Fazer testes de inteligência na internet pode ser um exercício delicioso e até relaxante. A brincadeira é saudável se os resultados obtidos não forem levados a sério por quem faz, já que essas avaliações no mundo virtual não correspondem à precisão alcançada nos consultórios. Para saber realmente qual é o desempenho intelectual de uma pessoa, a única forma é buscar psicólogos especializados em estudos da inteligência.
De qualquer forma, caso goste e queira testar, veja alguns links:
Receio de segregação preocupa especialistas
Os testes de QI selecionam pessoas em diferentes âmbitos, desde a prova para obter a carteira de motorista até na escolha de funcionários para determinadas tarefas em empresas. Nesse cenário, o medo de discriminação de quem possa registrar um QI menor é, em geral, a principal inspiração para minimizar o valor dos resultados dos testes. A preocupação é real pois na história houve registros do uso da ferramenta para a segregação de pessoas pelos nazistas ou de negros nos EUA, por exemplo.
Por isso, os testes profissionais utilizados atualmente em clínicas de psicologia tentam cruzar outros fatores, sem prescindir da medição tradicional da inteligência. E, entre os próprios psicólogos, há temor em valorizar demais os resultados numéricos.
“Ter um QI alto ou baixo não é tudo na vida acadêmica ou geral, é apenas um indicador com o qual se deve trabalhar para buscar a melhor abordagem em cada caso”
JOSÉ APARECIDO DA SILVA
professor do departamento de Psicologia do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), autor de diversos livros sobre o tema
“A precisão dos testes de QI faz com que eles sejam mal vistos, pois coloca umas pessoas de um lado e deixa outras, o que é um grande dilema nas sociedades democráticas, que buscam aumentar as oportunidades para todos”, explica José Aparecido da Silva, da USP.
Para a doutora em Psicologia Elizabeth Carvalho da Veiga, professora da PUCPR, o assunto é espinhoso porque a inteligência continua a ser um mistério para a ciência. Ela lembra que cada cultura avalia as qualidades das pessoas de forma diferente e, por causa disso, seria perigoso classificar as pessoas apenas pelos resultados nos testes de QI. “Em uma tribo de índios, quem é mais inteligente?”, exemplifica. “Com certeza a resposta deles não seria a mesma se comparada a outras sociedades”, continua.
Por outro lado, colocar a etiqueta de um número em alguém – QI 90, QI 130, etc. – não corresponderia ao conjunto de potencialidades de uma pessoa. “Os desempenhos não são uniformes, uma pessoa pode ser excelente em uma área e não ser em outra, até entre as pessoas que apresentam o mesmo QI”, reforça Elizabeth.
Outra questão a levar em conta é a autoestima, pois uma pessoa com registro de QI menor pode absolutizar esse resultado e desanimar. “Nesse sentido, os testes na internet, sem o acompanhamento de um psicólogo podem ser prejudiciais”, alerta Mari Angela Calderari Oliveira, professora e mestra da Clínica de Psicologia da PUCPR.
O pesquisador e neurocientista Ivan Izquierdo, da PUCRS, espera que, no futuro, novas pesquisas possam dar resultados mais exatos dos diversos tipos de capacidades mentais. “Nos próximos anos, espero que serão melhor estudados os correlatos neurais das diversas formas de inteligência”, escreveu à Gazeta do Povo, por e-mail.
Em defesa de uma avaliação de bom senso do uso de todos esses testes, José Aparecido, da USP, lembra que a inteligência não é a única coisa que determina o sucesso e o fracasso de uma pessoa. “Ter um QI alto ou baixo não é tudo na vida acadêmica ou geral, é apenas um indicador com o qual se deve trabalhar para buscar a melhor abordagem em cada caso”, diz.
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