A permissão do Ministério da Educação (MEC) para que os cursos presenciais das universidades federais possam ter até 40% da sua carga horária na modalidade de Ensino a Distância (EaD) acirrou a disputa entre a pasta e os conselhos profissionais das áreas de saúde.
De um lado, o MEC avalia que ter mais aulas a distância, como estabelece a portaria 2.117, de 6 de dezembro de 2019, não prejudicará a qualidade dos cursos. Do outro, os conselhos não acreditam na capacidade do EaD de formar bons profissionais para as suas áreas. E prometem recorrer judicialmente da decisão. Outra prática que já foi adotada esse ano, a de negar o registro profissional para estudantes formados em cursos com 40% de aulas dadas por EaD, também não está descartada.
Críticas
Em dezembro de 2018, por meio de outra portaria, o MEC já havia ampliado o limite de aulas a distância de 20% para 40%, para todas as instituições de ensino superior credenciadas – ou seja, além das federais, estaria a rede particular –, com exceção dos cursos de engenharia e saúde. Em reação, os conselhos de Odontologia, Farmácia, Veterinária, Enfermagem e Arquitetura e Urbanismo passaram a proibir a concessão de registro profissional a estudantes formados em instituições de ensino a distância.
Agora, diante do aumento do teto para o dobro do percentual nos cursos das universidades federais e a revogação da portaria de 2018, o Conselho Federal de Enfermagem anunciou que irá entrar na Justiça para derrubar a portaria 2.117. O Conselho acredita que as instituições particulares deverão se guiar pelos parâmetros definidos para as federais.
“Na prática, os efeitos da portaria irão impactar na formação de todos os profissionais da saúde, sobretudo, na de Enfermagem, que exige uma carga horária mínima de quatro mil horas e um limite de, pelo menos, cinco anos para integralização”, afirma a nota emitida pela entidade. “Assim, as IES [Instituição de Ensino Superior] poderão limitar o tempo de aulas presenciais e os estágios somente para três anos”.
A nota prossegue com argumentos comuns às demais entidades contrárias à medida: “O Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem considera que a formação em Saúde e em Enfermagem deve ser presencial. O EaD nessa área privilegia o mercado educacional em detrimento do cidadão brasileiro, além de colocar em risco a assistência à saúde da população brasileira, ao formar profissionais de qualidade duvidosa”.
O Conselho Federal de Farmácia (CFF) posicionou-se da mesma forma, dizendo-se favorável à incorporação de novas tecnologias na graduação, mas “desde que essas contribuam para a qualidade de formação e no patamar de 20%”, reagiu, em nota. “O ensino presencial e sua prática, desde o início dos cursos, é fator essencial à qualidade da graduação na área da Saúde. A descrição das atividades presenciais obrigatórias, tais como estágios curriculares já a partir do 3º semestre, e as práticas profissionalizantes da área de conhecimento das Ciências Farmacêuticas inviabilizam a inserção de 40% de atividades EaD”.
Ainda que não seja afetado diretamente pela portaria, o Conselho Federal de Medicina é solidário às demais entidades da área de Saúde. “Entendemos que as ferramentas hoje disponíveis evoluíram muito, com interatividades, mas 40% de conteúdo curricular agride a razoabilidade, além de colocar em xeque o processo de aprendizagem”, afirmou à reportagem o primeiro vice-presidente da entidade, Donizetti Dimer Giamberardino Filho. “Podemos dizer que 40% de EaD em cursos na Saúde não atinge os objetivos sociais da educação e do conhecimento na área da Saúde. Esta decisão representa aumento de risco a formação profissional, e consequente maior risco à sociedade”.
O que dizem o MEC e as associações
O MEC afirma que a portaria apenas ajusta a permissão que já existia, de 40%, ampliando a mesma para os cursos de saúde e engenharia das universidades federais. “Foram feitas alterações para dar clareza à redação quanto à oferta das atividades extracurriculares e ao limite de percentual EaD permitido para cursos presenciais, auxiliando na desburocratização de processos”, afirma o ministério, em nota enviada à reportagem. “O documento reafirma o respeito às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para cada curso superior, que ditam as normas obrigatórias para o planejamento curricular. O MEC respeita integralmente a autonomia das IES [Instituições de Educação Superior] para decidir sobre a adoção desta prerrogativa para os cursos presenciais, desde que obedeçam às diretrizes”.
Mesmo não tendo sido citadas na portaria, as mantenedoras de instituições de ensino superior particulares comemoraram a decisão para as federais, pois isso deverá facilitar o aumento do EaD em seus cursos. Em nota assinada pelo diretor-presidente Celso Niskier, a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes) defendeu a portaria e justificou que a qualidade não será prejudicada, já que é preciso seguir os “diversos requisitos” descritos no documento.
“O pressuposto básico para análise da regulação brasileira precisa ser o de que as IES estão sujeitas a um complexo arcabouço normativo e, àquelas que não cumprem a lei, devem ser aplicadas as penalidades previstas na supervisão. Pensar a regulação para coibir a atividade de instituições sem compromisso com a educação tem como consequência inviabilizar a inovação e a modernização do setor”, afirmou Niskier.
Em audiência pública realizada em outubro do ano passado, a presidente da Associação Nacional de Universidades Particulares (Anup), Elizabeth Guedes, irmã do ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o EaD não pode ser confundido com picaretagem.
“É importante que em nenhum momento a gente confunda conteúdo entregue com tecnologia com baixa qualidade de ensino, com picaretagem. Também existem cursos presenciais de baixa qualidade e de pouca credibilidade. Precisamos defender o ensino de qualidade e entender que nós não podemos condenar um garoto que está nascendo agora a aprender da mesma forma que a gente. Precisamos ter uma regulação que acompanhe a modernidade”.
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