A obrigatoriedade da filosofia e da sociologia no ensino médio prejudicou as notas de matemática dos alunos no Brasil. Isso porque, entre outros motivos, o estudo dessas duas disciplinas de humanas reduziu o tempo dedicado às exatas, concluiu um levantamento feito por pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), publicado recentemente.
Interessante pensar, por outro lado, que grandes matemáticos da história utilizaram a filosofia para avançar em suas descobertas. Se no currículo “enciclopédico” do ensino médio brasileiro, de 13 matérias, faltou pesar melhor o tempo dedicado para cada disciplina nos últimos anos, talvez só eliminar a filosofia não seja o suficiente para tirar os estudantes do fundo do poço.
Até porque, para melhorar em matemática, o aluno brasileiro precisa deixar a decoreba, aprender a pensar e a produzir ciência. E, para isso, a filosofia, mesmo dada de forma transversal, pode ajudar. E muito.
Perspectiva histórica
A divisão entre ciências humanas e exatas, como se sabe, nem sempre foi clara: pensadores que construíram as bases do pensamento ocidental atuaram nos campos da Filosofia, Matemática, Física e Astronomia.
É fato, contudo, que o diálogo entre as áreas faz parte da fundação das universidades: a primeira delas, a universidade de Bolonha, foi fundada em 1088 por professores de gramática, retórica e lógica que pretendiam se dedicar ao estudo do Direito.
Já no século 18, nos Estados Unidos, a Universidade da Pensilvânia foi a primeira do país a se proclamar como tal e até hoje exibe em seu selo a herança das disciplinas clássicas: Teologia, Astronomia, Filosofia, Matemática, Lógica, Retórica e Gramática.
“O pensamento filosófico levou ao conhecimento científico, estando na matriz do seu nascimento, de sua construção e autonomia: a Filosofia é importante para quem quer conhecer Matemática e o mundo”, avalia Eduardo Emmerick, professor de Filosofia e Sociologia do Curso Positivo.
“Professores de Matemática ou Filosofia precisam compartilhar da mesma linguagem, para que o aluno possa perceber, desde os anos iniciais, que tomar uma decisão na vida tem o mesmo processo que tomar uma decisão na hora de resolver um problema matemático”, completa a professora de matemática Marilda Souza.
Abaixo, listamos alguns dos principais pensadores que contribuíram tanto para a Matemática como para a Filosofia.
PLATÃO
Platão ajudou a lançar as bases tanto da Filosofia quanto da geometria no século III antes de Cristo. Na Grécia, fundou a Academia, uma escola dedicada ao estudo de Filosofia e à prática de ginástica e que pode ser uma das origens das universidades.
Seu método desenvolve as ideias por meio do diálogo, e é esse modelo que está presente nos seus livros; para ele o conhecimento é um conjunto de ideias que organizam o que há de concreto no mundo.
“Ele defende a tese de que o filósofo deve saber Matemática para obter dela o efeito de elevação da mente através do ato de estudar o mundo abstrato”, diz Carlos Roberto Merlin Júnior, graduado em Filosofia, Sociologia e História, e professor do Colégio Positivo.
“Muito antes dos empiristas ingleses, Platão já afirmava ser a Matemática a ferramenta ideal para leitura do mundo, uma vez que, para além das aparentes transformações e mudanças, ela era capaz de apreender o essencial que permanece”, completa.
GALILEU GALILEI
Figura fundamental no Renascimento, o pensador italiano contribuiu para a revolução científica ao aliar Filosofia, Matemática, Física e Astronomia. Nas ciências exatas, iniciou os estudos sobre movimento e mecânica, além de descobrir os anéis de Saturno, quatro satélites de Júpiter, as montanhas da Lua e as fases de Vênus.
As descobertas foram possíveis graças aos modelos de investigação científica da época, que não faziam distinção entre filosofia e ciências.
RENÉ DESCARTES
Sua corrente filosófica, o racionalismo, remete ao processo científico: o raciocínio funciona como um exercício mental lógico para analisar hipóteses e chegar a conclusões. A descrição desse raciocínio está no livro “Discurso sobre o método”, uma das obras mais importantes da Filosofia e do pensamento científico.
Na Matemática, revolucionou o pensamento ao aliar duas áreas até então distintas, a álgebra e a geometria, para criar a geometria analítica – hoje, uma das bases da engenharia.
“Descartes inaugura a modernidade da filosofia na construção do seu idealismo filosófico a partir do ‘Cogito Ergo Sum’. Na matemática, ele relaciona a álgebra e geometria no famoso plano que leva o seu nome: Plano Cartesiano, fazendo nascer a geometria analítica”, explica Merlin Júnior.
“A fecundidade da filosofia de Descartes está tanto no tipo de racionalismo idealista - que inaugura na filosofia -, quanto na matemática, que proporciona um novo olhar sobre a geometria”, completa.
PASCAL
Unidade de medida, teorema e linguagem de programação recebem o nome do pensador francês.
No campo da Física, contribuiu para os estudos do som, pressão e mecânica. Na Matemática, foi fundamental para a geometria e a probabilidade. Na Filosofia, refletiu sobre os limites da condição humana. E, na Teologia, influenciou a criação da Igreja Metodista.
TALES DE MILETO
Tales de Mileto nasceu na antiga colônia grega de Mileto, por volta de 623 a.C. É considerado o “Pai da Filosofia Ocidental” por procurar dar respostas racionais para os fenômenos da natureza e os dramas da vida humana rompendo com a perspectiva unicamente mitológica.
“No campo da Matemática, Mileto se destacou a tal ponto que recebeu um teorema em seu nome. O famoso Teorema de Tales afirma que a interseção entre duas retas paralelas e transversais formam segmentos proporcionais”, diz Carlos Roberto.
NEWTON DA COSTA
Hoje, a relação entre filosofia e matemática é desenvolvida por pesquisadores como o curitibano Newton da Costa, considerado um dos precursores da lógica moderna.
Graduado em engenharia e matemática pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde lecionou por 14 anos, agora é professor no Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
As duas faces do seu trabalho científico têm reconhecimento: o pesquisador é ganhador da medalha Nicolau Copérnico, foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Lógica em 1979 e o primeiro brasileiro a integrar o Instituto Internacional de Filosofia, sediado em Paris.
“Quando o aluno tem um raciocínio lógico desenvolvido, ele tem uma matemática desenvolvida. Acredito na Filosofia como ferramenta auxiliar nas demais disciplinas: grandes filósofos eram pensadores e tinham raciocínio lógico desenvolvido, por conta da reflexão e da análise”, conclui a professora de Matemática Marilda Souza.