"A UNE serve para o projeto de poder dos partidos de esquerda, para lavar dinheiro, para aliciar jovens para ideologias de esquerda, para qualquer coisa, menos defender os interesses dos estudantes". É o que diz o deputado federal Filipe Barros, de 28 anos, filiado ao Partido Social Liberal (PSL). "A UNE continua exercendo seu papel histórico, o de ser guardiã dos estudantes e dos direitos do povo", contrapõe o estudante goiano Iago Montalvão, de 26 anos, estudante de Economia da Universidade de São Paulo (USP) e atual presidente da União Nacional dos Estudantes.
Em agosto, a UNE completou 82 anos de existência. Seu primeiro presidente, o gaúcho Valdir Ramos Borges, seria, duas décadas depois, chefe de gabinete de Ney Galvão, ministro da fazenda do presidente João Goulart – o primeiro a realizar uma visita oficial à entidade. Desde suas origens, a entidade se posicionou politicamente. A Passeata do Silêncio, em 1943, por exemplo, em São Paulo, foi marcada por uma reação policial que provocou a morte do estudante de Direito Jaime da Silva Teles.
Em 1947, os estudantes defenderam a criação da Petrobras. Em 1948, a sede no Rio de Janeiro foi invadida num momento em que os estudantes protestavam contra o aumento do preço das passagens de bonde – os protestos e a invasão se repetiriam em 1956. Aliás, o edifício ocupado pela UNE, desde 1942 até 1980, foi resultado de uma invasão: os estudantes tomaram o Clube Germânia, na Praia do Flamengo, num momento de grande perseguição aos alemães que viviam no Brasil.
José Dirceu
No contexto da Segunda Guerra, quando o país já havia declarado guerra à Alemanha de Adolf Hitler, a ocupação foi encarada com normalidade. Logo na madrugada do golpe militar, em 1964, o edifício foi metralhado. Em 1980, a sede foi demolida. Em 2007, os estudantes ocuparam o estacionamento que funcionava no local. Recuperaram, em 2010, o direito de reconstruir sua sede ali, e foram presenteados com um projeto do arquiteto Oscar Niemeyer. Mas as obras nunca avançaram.
Nos anos 60, a entidade fundou um Centro Popular de Cultura e, a partir do início da ditadura militar, até 1979, atuou na clandestinidade. Em 1968, o congresso da entidade, realizado ilegalmente em Ibiúna, foi invadido pela polícia, que deteve mais de 700 pessoas incluindo o presidente eleito da instituição, Luís Travassos, e os estudantes Vladimir Palmeira e Franklin Martins. Mais recentemente, nos anos 90, a UNE ficaria famosa pelas manifestações contra o presidente Fernando Collor de Melo. Neste século, apoiou os governos do PT.
Com exceção do período entre 1950 e 1956, quando foi comandada por um grupo ligado à União Democrática Nacional (UDN), a UNE ficou todo o resto do tempo nas mãos de líderes de esquerda, a ponto de, no congresso realizado pela entidade em 1999, em Belo Horizonte, o evento receber a presença do ditador cubano Fidel Castro. Em 2013, a instituição foi uma das signatárias de um manifesto produzido pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) em solidariedade à Coreia do Norte.
Ao longo de oito décadas, a UNE sustentou o surgimento de lideranças desse espectro político, de José Dirceu (PT) a Orlando Silva (PCdoB), passando por Aldo Rebelo (Solidariedade) e Lindbergh Farias (PT). Mais recentemente, quase todos os presidentes da instituição tentaram seguir carreira política, ainda que a maioria não tenha alcançado sucesso.
Nova carteirinha
O governo lançou, em setembro, por medida provisória, uma carteirinha digital e gratuita como contraponto à tradicional carteirinha produzida pela UNE e pelas entidades estudantis regionais – a União Nacional dos Estudantes, aliás, criou a carteirinha em 1939, há 80 anos, e mantém o serviço como sua principal fonte de renda desde então. "Boa parte do orçamento vem das carteirinhas", afirma o atual presidente, Iago Montalvão. "Este é um ataque, o governo deixou bem claro, e é um baque muito forte".
De fato, por ocasião do lançamento da carteirinha, o presidente Jair Bolsonaro declarou: "Vou facilitar a vida dos estudantes. Não vai ter mais que pagar para a UNE, que quem manda lá é o PCdoB. Vai faltar dinheiro para o PCdoB."
Nos últimos anos, diferentes deputados tentaram, sem sucesso, abrir uma CPI para investigar as finanças da entidade, em especial o repasse de R$ 44,6 milhões a título de reparação pela perseguição sofrida durante a ditadura militar. Uma investigação do Ministério Público com base nas atividades financeiras de 2006 a 2010 identificou indícios de irregularidades na prestação de contas de repasses recebidos do governo federal.
Na época, o procurador Marinus Marsico percebeu que verbas públicas haviam sido utilizadas, inclusive, para comprar cerveja, vinho, cachaça, uísque e vodca, além de freezer e telefone celular. "Pelo bem da própria UNE, a instituição não deveria receber mais dinheiro público, sob pena de cair em descrédito e perder o motivo de sua existência", afirmou o procurador em entrevista à Gazeta do Povo. Ainda assim, a CPI não foi aprovada. Mesmo quando todas as assinaturas foram coletadas, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), não deu início aos trabalhos da comissão.
"Os estudantes brasileiros há tempos não se sentem representados pela atual UNE", afirma o deputado federal Marco Feliciano (PR), um dos principais articuladores da CPI. "Durante minhas tentativas da instalação da CPI, recebi apoio de centenas de Diretórios acadêmicos de todo Brasil", afirma ele, que pede "uma nova eleição com a escolha de estudantes ordeiros, conservadores, sem viés comunista, que são a grande maioria de nossos universitários".
Para Feliciano, um dos principais problemas da UNE atual é o de deter o "monopólio do movimento estudantil". "Não é permitida a existência de outra entidade que represente a vontade dos estudantes. Penso que é mais uma camuflagem de movimento de interesse partidário e ideológico do que defender de fato os interesses do estudante", diz.
"O estatuto da UNE prevê congregar e representar os estudantes do Brasil, bem como defender interesses gerais dos estudantes e de cada um em particular, defendendo a acesso livre à educação, dentre outros interesses. Mas sabemos que não é assim que a banda toca por lá. É uma instituição absolutamente partidária e ideológica, que busca interesses da esquerda. É mais uma massa de manobra", acrescenta.
Crise existencial
Com dificuldades para receber repasses federais, e diante da possibilidade de perder sua principal fonte de renda, as carteirinhas, a UNE pode encarar uma crise existencial. Aceitar o diálogo com estudantes de direita seria um caminho? "Nossos congressos sempre receberam estudantes de todas as linhas políticas", alega o presidente Iago Montalvão. "Acontece que, historicamente, os estudantes de esquerda se mobilizam mais e, naturalmente, ocuparam os espaços. Mas nossos atos e congressos recebem tanto a juventude do PSDB quanto do PCdoB. A educação é uma bandeira com a capacidade de criar frentes amplas".
Filipe Barros discorda. "A direita não tem espaço dentro da UNE. Por isso, estamos montando, dentro do PSL, uma estrutura para concorrer na próxima eleição para a presidência da entidade". O pleito vai acontecer em 2021. "É uma eleição indireta, com delegados selecionados dentro das universidades, que ganham a viagem e, por gratidão, vota com o grupo que se perpetua no poder. Estamos batalhando para mudar esse quadro".