A taxa de alfabetização é considerada um importante indicador de desenvolvimento (o índice é levado em conta, por exemplo, no cálculo do IDH), mas sua eficácia como medidor da qualidade da educação é ponto de discussão: a capacidade de reconhecer letras e palavras não pode ser a principal característica para avaliar o sistema educacional de um país.
No último ranking da OCDE, os índices educacionais do Brasil superam os da Argentina. No entanto, o vizinho do Mercosul tem uma população mais alfabetizada do que a nossa: a atual taxa de alfabetização total argentina chega a 97,9%, enquanto a brasileira é de 91,3%.
A qualidade da educação, para o ranking da OCDE, inclui o desempenho no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), a média de anos que os alunos passam na escola e a porcentagem da população que está cursando ensino superior – a taxa de alfabetização não está entre os critérios adotados.
Significado
A definição do que é alfabetização – e como mensurar se uma pessoa é alfabetizada – não é estática: mudou nas últimas décadas, de acordo com novas necessidades da sociedade e desenvolvimento de estudos na área.
O modelo de alfabetização vivenciado por grande parte da população brasileira foi o de cartilhas que ensinavam letras, sílabas e palavras de modo sequencial e progressivo (a letra “b”, a sílaba “ba”, a palavra “batata”, nessa ordem).
O modelo é baseado na Cartilha da Infância, de Thomaz Galhardo, lançada na década de 1880 e reproduzida até os anos 1980. Já cartilha mais famosa, Caminho Suave, foi lançada em 1948.
Essa diretriz, amplamente adotada, passou por algumas mudanças, como o método de Paulo Freire, que parte de palavras que fazem parte do cotidiano dos estudantes para mostrar a formação de sílabas e de outras palavras. Ainda assim, o modelo de alfabetização tradicional, por si só, não contempla mais as necessidades da educação contemporânea.
Evolução
Até a década de 1980, uma pessoa poderia ser considerada alfabetizada se conseguisse ler algumas frases simples e assinar o próprio nome. Hoje, a definição é mais ampla, de acordo com Veronica Branco, doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR):
“Isso não é mais suficiente. Ela tem que entender o que lê. Temos decodificação e compreensão como características básicas para considerar alguém alfabetizado; temos, agora, uma compreensão maior”.
Essa nova definição é o que hoje se chama de letramento: a capacidade de navegar o mundo escrito e compreender textos que fazem parte do cotidiano.
“Não adianta ler uma cartilha. A criança não está alfabetizada porque lê a cartilha, mas porque lê o mundo escrito”, explica Veronica. “É ler placas, ler propaganda de supermercado, viver em uma sociedade letrada e fazer uso dessa habilidade no cotidiano”, completa.
Conceitos complementares
O letramento define se uma pessoa tem a capacidade de circular no mundo dos textos, e a alfabetização, na sua definição tradicional, deixa de ser o objetivo final do ensino: ambos se tornam necessários para uma educação efetiva.
“A alfabetização trabalha a questão do código e decodificação de símbolos. Já o letramento vai trabalhar com a solução social. Por isso notamos que a alfabetização sem o letramento fica um ato mecânico. E o letramento sem a alfabetização fica algo indecifrável. Precisamos que ambos caminhem juntos”, explica Silvia Dumont, supervisora editorial da Editora Positivo.
De acordo com Silvia, o letramento dá uma função para o que se aprende durante a alfabetização – como uma aplicação prática para uma teoria que é aprendida.
“O trabalho com o letramento promove o acesso das crianças a todos esses textos que circulam socialmente: então a criança colocará uma função social para aquilo que está aprendendo”, diz.
Processo
Sem a capacidade de compreender e interpretar textos, habilidades desenvolvidas no processo de letramento, mas com a alfabetização necessária para ler e escrever frases simples, surge o que se entende como analfabetismo funcional. De acordo com o Instituto Paulo Montenegro, 27% dos brasileiros são analfabetos funcionais – número três vezes maior do que os 8,7% de analfabetos no país.
“O que se percebe no nosso país é que temos uma taxa de analfabetismo funcional enorme: pessoas sabem assinar o nome, mas não têm capacidade de ler frases mais complexas”, explica Silvia.
Dessa forma, a alfabetização não pode ser descartada como parte do processo de aprendizagem, mas repensar sua definição e seus processos é fundamental para a construção do ensino e aprendizagem: ela só pode ser um dos parâmetros de definição do nível de educação quando alinhada à compreensão atual do significado de leitura e compreensão de textos.
“Se crianças não aprenderem a ler e interpretar efetivamente, elas não aprenderão mais nada”, conclui Veronica.