Que Zé Gotinha, que nada. Na Escola Municipal Piratini, em Curitiba, são as próprias crianças que fazem as vezes de agentes de saúde para distribuir vacinas. O líquido é um suco de laranja, e seu efeito é a erradicação do bullying.
A instituição é uma das 107 que integra o projeto “Bullying Não é Brincadeira”, da Secretaria Municipal de Educação (SME), de Curitiba. Com foco nas crianças da primeira etapa do Ensino Fundamental, o projeto busca incidir no bullying antes mesmo que ele atinja sua maturidade.
É lei
A obrigatoriedade das instituições de ensino de Curitiba de manterem políticas “antibullying” é lei, desde novembro de 2010. Vale para instituições públicas e privadas, que são obrigadas a manter práticas educativas sobre o tema. A legislação prevê ainda um livro ata próprio para ocorrências de bullying, em que conste data, hora, tipo de agressividade, nomes do agressor e da vítima, além das providências tomadas.
Ao trabalhar com crianças na faixa dos 6 a 10 anos, o projeto incide naquela fase em que a implicância e o preconceito já existem, mas os valores de certo e errado ainda estão em formação. Não há, por exemplo, registros de cyber bullying (feito em ambiente virtual) na rede municipal, segundo conta Claudia Pericinoto, da Coordenadoria de Atendimento às Necessidades Especiais (Cane) da SME.
Na base do projeto está a turminha de Nina, Lilo, Max, Teco e Lisa. São personagens fictícios, com idade entre 7 e 10 anos, atingidos por leucemia, autismo, problemas de locomoção, cegueira ou surdez.
“A maioria dos personagens não nasceu com deficiência, mas adquiriu com o tempo”, explica Viviane Maito, também da Cane. A escolha é proposital; é uma forma de mostrar às crianças que qualquer pessoa saudável ou considerada “normal” pode necessitar de algum atendimento especial, de uma hora para a outra.
Não só pode como acontece. No ano passado, uma aluna viveu o mesmo enredo de Nina, na Escola Municipal Jardim Europa, no Xaxim. Após o tratamento para leucemia, a garota passou para o atendimento domiciliar, mas na hora de retornar para a aula, surgiu o receio de com os outros iam encará-la“carequinha e mais inchada [por causa dos medicamentos]”, conta Viviane. No fim das contas, ela ganhou uma festa na volta às aulas; e os coleguinhas já estavam preparados para recebê-la com “uma convivência saudável, atitudes positivas”.
Curitiba é a terceira capital com mais vítimas
Curitiba é a terceira capital brasileira com maior número de vítimas de bullying, entre estudantes do 9º ano do ensino fundamental, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A colocação foi atingida em duas edições seguidas da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), em 2009 e em 2012. Uma nova edição da pesquisa está em andamento, mas os resultados ainda não foram divulgados.
Em 2009, foram entrevistados jovens de 6.780 escolas brasileiras. Na capital paranaense, 35,2% dos estudantes relataram já ter sofrido bullying. A cidade só ficou atrás de Brasília, com 35,6%, e de Belo Horizonte, com 35,3%.
Na última edição, foram 7.519 escolas participantes, nas capitais (além de outras 35,1 mil, nas outras cidades do país). Entre bullying frequente e eventual, Curitiba somou 38,1% de seus estudantes. O primeiro lugar, dessa vez, ficou com São Paulo, com 38,4%. A cidade de Vitória registrou 38,2%.
Mais comum entre meninos do que entre as meninas, o bullying não distingue escolas públicas de privadas, segundo dados da PeNSE de 2012. Ambas redes registraram 38,8% de vítimas da prática.
O número de agressores auto-declarados, porém, é um pouco maior na rede pública (24,8%) do que na privada (22%). Já a discrepância de gênero é um pouco maior, chegando a 29,8% entre os meninos e a 18,4%, entre as meninas.
Em casa
O projeto “Bullying Não é Brincadeira” trabalha com um material específico, o acompanhamento por parte da Secretaria de Educação e com a adaptação do conteúdo à realidade local, como atividades das escolas. O kit contém cinco bonecos, uma cartilha com as histórias de vida de cada personagem e um folder explicativo, que busca orientar os pais.
A ideia é que os alunos se revezem para levar a pasta com o material completo para casa. A função é dupla; a primeira é que mães e pais tenham a chance de trabalhar a temática do bullying com os filhos. A segunda é função é que os próprios adultos se eduquem para o respeito ao próximo.
A família cresceu
No Capão da Imbuia, a família anti-bullying cresceu. Na Escola Municipal Eneas Marques, a turminha de Teco e Lisa ganhou um amigo “gordinho”, outro ruivo e ainda um terceiro com síndrome de down. Assim como os originais, os personagens novos têm seus próprios bonequinhos.
No Bairro Alto, a turma foi parar nos muros da Escola Municipal Araucária. Já a turminha da Nossa Senhora da Luz, na CIC, montou um coral contra o bullying; e os alunos da Professor Ulisses Falcão Vieira, no Campo Comprido, montaram um teatro, em que “rebobinavam” a cena em que a turma tirava sarro do coleguinha atrasada e a reencenavam, dessa vez sem bullying.
Cada escola faz e deve fazer suas adaptações. De todos os personagens, uma curiosidade. É Lilo, o garoto com autismo, o que faz o maior sucesso. “Nas escolas que eu visitei, nos desenhos e projetos expostos na parede, sempre tinha as atividades voltadas ao público autista, e sempre o desenho dele”, conta Elda Bisso, coordenadora da Cane.
Nem tudo é bullying
O termo “bullying” está na moda. Mas é preciso cuidado para não banalizá-lo: o uso correto do termo permite que soluções que vão direto ao ponto.
Para identificá-lo, são três critérios básicos: intencionalidade, agressividade e frequência. O bullying tem intenção de atingir, ofender; é sempre acompanhado de algum tipo de violência (física ou verbal); e se repete com frequência, não acontece apenas uma vez.
Já a vítima é aquele aluno que vai ficando amuado, com medo ou sem vontade de ir para a escola, de interagir com os alunos.
Co-autora do livro “Preconceito & Repetição: diferentes maneiras de entender o bullying”, a psicóloga Raquel Kampf explica: “O bullying não é um fenômeno do indivíduo, ele está localizado dentro de uma sociedade. A intervenção não deve ocorre só quando algo já aconteceu, mas ser um trabalho de prevenção com os profissionais que compõe este ambiente, que exista um espaço na escola onde essas questões possam ser discutidas.”
Para os pais, ela dá a dica: é preciso estar aberto ao diálogo. Em especial com os filhos adolescentes, que precisam se sentir respeitados para aprender a respeitar o colega.
A conversa, aliás, é a melhor prevenção. Uma vítima do bullying que tenha um espaço de fala vai poder denunciar aquela agressão aos adultos responsáveis. O mesmo vale para quem observa a violência acontecer. Esta conscientização dos alunos é importante, em especial porque ele muitas vezes acontece fora da sala de aula. Por isso, também é importante que os outros profissionais que estão no ambiente escolar, de zeladores a inspetoras, tenham formação sobre o tema.
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