Apenas 8% da população brasileira entre 15 e 64 anos é plenamente capaz de entender e se expressar corretamente. Já o restante apresenta dificuldades, em graus diferentes, de entender e elaborar diversos tipos de texto, interpretar tabelas e gráficos e resolver problemas lógicos e matemáticos.
Os dados são do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), estudo elaborado pelo Instituto Paulo Montenegro (PIM), a ONG Ação Educativa e o Ibope Inteligência. Segundo o indicador, existe uma escala de classificação de alfabetismo: analfabeto (4%), rudimentar (23%), elementar (42%), intermediário (23%) e proficiente (8%); quem está inserido nas duas primeiras categorias é considerado analfabeto funcional.
Consequências
Apesar de reconhecer o baixo nível da educação brasileira, o professor livre-docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Claudemir Belintane, critica o Inaf: para ele, níveis de leitura variam de acordo com fatores como especialidades, ideologia e religião.
“O uso do alfabeto, da escrita, das habilidades de leitura, caso se leve em conta a questão da funcionalidade, é algo muito difícil de ser avaliado, pois dependeria dos contextos específicos”, diz em entrevista à Gazeta do Povo.
O professor ressalta ainda que nas universidades, principalmente nas privadas, há muitos alunos com baixíssimos níveis de leitura e interpretação. Segundo ele, o problema está relacionado à falta de políticas educacionais.
“Combater o analfabetismo funcional só é possível se os governos fizerem disso uma causa verdadeira e conseguirem fomentar uma política educacional de longo prazo. Ideias existem. O que não existe é vontade política”, afirma.
Desigualdade social e políticas públicas
E como esses indivíduos chegam ao ensino superior? Para Belintane, as próprias universidades não se preocupam com o nível de leitura e interpretação dos estudantes.
“A preocupação das faculdades privadas é o lucro. E a do governo é numérica. Hoje temos, sobretudo nas universidades privadas, alunos com baixíssimo nível de leitura sendo formados para serem professores. Trata-se da retroalimentação de um círculo vicioso”, critica.
A vice-presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), concorda que o alto índice de analfabetismo funcional é provocado pela redução das políticas públicas; para ela o número de analfabetos funcionais tende a aumentar nos próximos anos.
“Só se acaba com o analfabetismo com investimentos em educação, em escola de tempo integral e respeitando políticas públicas enunciadas no Plano Nacional de Educação (PNE). O PNE, por exemplo, firmava que em 10 anos haveria um aumento de 50% no número de escolas em tempo integral, mas isso está imobilizado”, explica.
A deputada acredita que é preciso dar mais valor às creches e à alfabetização de jovens e adultos.
“Creches são essenciais, mas as de verdade, com professor, com ensino cognitivo em harmonia com o emocional. É preciso também alfabetizar os adultos. Estudos comprovam que quando os pais ou responsáveis por uma criança são analfabetos, as chances dela também ser analfabeta são muito grandes”, analisa.
O que diz o MEC
O Ministério da Educação afirma ter programas próprios para a alfabetização, porém a adesão depende da vontade política dos estados e municípios.
“O MEC tem programas voltados especificamente para a alfabetização, como o Mais Alfabetização, destinado aos anos iniciais do ensino fundamental, bem como para todas as etapas e modalidades da educação básica, como a Educação de Jovens e Adultos, a EJA”, justifica a pasta, em nota enviada à Gazeta do Povo.
“O papel do MEC é de caráter suplementar no apoio aos sistemas de ensino municipais, estaduais e do Distrito Federal”, conclui.
Longo caminho
O Plano Nacional de Educação foi criado em 2014 e conta com diversas metas que deveriam ser cumpridas até 2024. Entre elas, está a elevação do nível de alfabetização da população e a melhoria da qualidade da educação básica e superior.
Um levantamento realizado pelo Observatório do PNE (OPNE) constatou que apenas 20% das metas previstas para serem finalizadas até 2017 foram cumpridas; o Inaf classifica como analfabetas as pessoas que não sabem ler palavras e frases, mesmo que consigam decifrar tarefas mais simples, como preços e números de telefones.
Já os considerados rudimentares são aqueles que conseguem realizar operações básicas e ler textos curtos e familiares, como bilhetes e anúncios. Os elementares podem ser considerados alfabetizados funcionalmente, pois conseguem compreender e se expressar por meio de textos, gráficos, operações e tabelas de média complexidade.
A respeito dos intermediários, o Inaf afirma que são aquelas pessoas com habilidades mais robustas de interpretação de textos complexos, como a diferenciação de figuras de linguagem e cálculos com proporções e porcentagem; o problema é que elas não conseguem interpretar a opinião de autores de textos.
Os proficientes possuem total capacidade de interpretação de texto e de fórmulas matemáticas. O problema principal trazido pelo Inaf é que o aluno, quando termina o Ensino Médio, precisa ser proficiente. Mas apenas 8% dos brasileiros conseguem chegar a esse nível.