O ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é o principal termômetro da qualidade da educação nos estados. Elaborada a cada dois anos com base nas taxas de repetência, além do desempenho dos alunos em provas de matemática e português promovidas pelo Inep, órgão do Ministério da Educação, a avaliação também atribui metas a cada unidade da federação. Em especial, o indicador do ensino médio é o mais importante porque apresenta o efeito consolidado das etapas anteriores. E os dados mais recentes trazem alguns indicativos de que nem sempre o aumento nos gastos com educação produzem os resultados desejados.
A meta nacional do ensino médio para 2019 era de 5 pontos em uma escala de 0 a 10, mas o resultado ficou muito abaixo, em 4,2. No novo ranking dos estados, elaborado com base em dados do ano passado e lançado em setembro de 2020, Goiás aparece no topo da lista. O estado não apenas obteve a maior nota (4,8, ao lado do Espírito Santo), mas também foi o único a cumprir sua meta para 2019. Na outra ponta, está o Amapá, cuja nota final foi 3,4. Apesar de ter empatado com o Pará nesse quesito, o Amapá está em uma situação ainda pior porque está mais longe de sua meta (de 4,5 pontos).
Além da nota de 2019, as trajetórias de Goiás e Amapá são divergentes. Entre 2005, quando o Ideb foi criado, e 2019, a média de Goiás saiu de 3,2 e cresceu 1,6 ponto. Já o Amapá não conseguiu avanços significativos: no período, a pontuação do estado partiu de 2,7 e aumentou apenas 0,7 ponto.
A geografia exerce um papel relevante nessa diferença. No Amapá, uma parcela considerável da população vive em regiões isoladas, em comunidades ribeirinhas, o que dificulta o acesso regular à escola. Ainda assim, a geografia não explica tudo - quase metade da população do estado mora na capital Macapá, e as distâncias entre as cidades no Amapá são muito menores do que em Goiás, que também tem uma população maior e mais dispersa.
Além disso, a diferença de renda não pode ser a única explicação para a diferença no desempenho. Goiás não é o estado mais rico do país - existem dez unidades da federação melhor colocadas no ranking de renda per capita. O Amapá não é o estado mais pobre, já que existem outros cinco em situação mais desfavorável. Uma análise nas despesas com educação comprova isso: o Amapá tem um gasto por estudante entre os cinco maiores do país, superior ao de Goiás. O problema é a ineficiência na administração dos recursos.
Uma dissertação de Mestrado na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) analisou a relação entre o gasto público e a melhoria no desempenho educacional dos estados entre 2005 e 2011. No estudo, elaborado por Anderson Renan Will, o Amapá ficou nos dois últimos lugares em todos os anos. Já Goiás aparece com um desempenho acima da média nacional no quesito eficiência do gasto público.
Parte da explicação para a diferença nos gastos está no salário dos professores: no Amapá, o piso salarial é quase 40% maior do que em Goiás. Embora o vencimento dos docentes seja um fator significativo, por si só ele não parece ser capaz de promover melhorias na educação.
Outro fator relevante é a estabilidade nos gastos com educação: o pesquisador da UFSC descobriu que Goiás está entre os estados cujo valor per capita investido na educação varia menos; já no Amapá, a oscilação é maior. Quanto maior a variação de um ano para o outro (para menos ou para mais), menores são as chances de políticas públicas estáveis e de longo prazo, essenciais no campo da educação. A previsibilidade é um fator-chave para o sucesso das políticas educacionais.
Um exemplo recente de como Goiás melhora o seu desempenho sem aumentar significativamente os gastos com educação é a implementação de um programa de reforço no conteúdo de português e matemática. No início de cada série, os alunos agora têm aulas de revisão do que foi ensinado na série anterior nessas disciplinas. No total, são 15 aulas de português e 15 de matemática, seguidas de uma avaliação de desempenho. O objetivo é melhorar a nota dos alunos no Saeb, prova usada no cálculo da pontuação do Inep.
Outro aspecto que pode ajudar explicar o bom exemplo goiano é a implementação das escolas em tempo integral. Hoje, Goiás tem 149 escolas estaduais funcionando nesse formato. Elas atendem cerca de 41 mil alunos. O programa teve início ainda em 2006, com 31 unidades de ensino. No Amapá, a evolução foi bem mais lenta: o programa foi lançado apenas em 2017, com oito escolas. Agora, o governo afirma que 23 unidades atendem em tempo integral.
Mas talvez um fator ainda mais crucial no mau desempenho do Amapá esteja ligado à ausência de creches e pré-escolas, o que prejudica o desempenho dos estudantes durante a sequência da caminhada na rede de ensino. O estado tem o pior indicador do país nesse quesito, e não há perspectivas de melhora. Entre 2013 e 2018, o índice de crianças amapaenses de 4 a 5 anos que frequentavam uma creche ou pré-escola caiu de 77,1% para 67,8%. Em Goiás, no mesmo período, o percentual passou de 81% para 87,5%.
Alguns anos adiante, a discrepância no desempenho é perceptível. No terceiro ano do Ensino Fundamental, 32% dos alunos amapaenses não conseguem passar do nível 1 no exame de escrita, em uma escala que vai até 5. Em Goiás, apenas 11% dos alunos estão nesta categoria.
Para o professor João Ferreira, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, parte da diferença entre os estados tem a ver com políticas públicas. “Há estados que têm feito grande esforço em políticas de gestão, na formação e valorização docente, na melhoria da infraestrutura, na integração com a comunidade e no aprimoramento do processo de aprendizagem, entre outros fatores”. Para ele, é importante manter a autonomia dos municípios e estados, mas com a articulação do governo federal. “A descentralização articulada, no contexto do Regime de Colaboração previsto na Constituição Federal de 1988 é fundamental”, diz ele. O professor observa ainda que, embora tenham menos recursos à sua disposição, muitos municípios têm apresentado bons resultados. “O melhor desempenho no Ideb está nos anos iniciais do ensino fundamental, que em sua maioria é ofertado pelos municípios”, ele diz.
No ano que vem, o prazo estabelecido para o Ideb vai se encerrar, e o governo federal deve adotar um novo método de avaliação. “Em 2022, vamos entregar o resultado das metas definidas em 2007. Após isso, vamos pactuar novas metas, com municípios e estados, para saber o que queremos da educação do futuro”, afirmou o presidente do Inep, Alexandre Lopes, durante o lançamento dos dados mais recentes, em setembro deste ano.
Para o professor João Ferreira, a reformulação será bem-vinda. A nota do Ideb pode ter falhas porque nem sempre os dados reportados pelos municípios e estados são precisos. Além disso, o índice de aprovação pode mascarar problemas (escolas de maior qualidade podem reprovar mais alunos do que as mais fracas). “A qualidade da educação está associada a fatores internos e externos à escola. O Ideb não explicita esses fatores. Pode-se até entender que há algo errado, mas não se sabe o que é e nem no que se deve intervir”, afirma o professor.
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