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A estudante de engenharia Lu Jiawei, 22 anos, afirma que alguns alunos desistem de se esforçar na universidade porque, pela crise, por mais que se esforcem, nunca conquistarão o emprego dos sonhos | Giulia Marchi/NYT
A estudante de engenharia Lu Jiawei, 22 anos, afirma que alguns alunos desistem de se esforçar na universidade porque, pela crise, por mais que se esforcem, nunca conquistarão o emprego dos sonhos| Foto: Giulia Marchi/NYT

As escolas de educação básica chinesas costumam ser vistas como instituições cruéis, com provas fáceis para estudantes capazes de citar apenas fatos básicos, com pouca capacidade de raciocínio profundo.

Um novo estudo, porém, sugere que a China está produzindo alunos com uma das mais elevadas capacidades de pensamento crítico no mundo.

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A descoberta inesperada esquenta o debate sobre quais escolas estão fazendo melhor o seu trabalho, as chinesas ou as dos Estados Unidos, complementando estudos anteriores segundo os quais os estudantes chineses superam os colegas globais em leitura, matemática e ciências.

O novo estudo, no entanto, de autoria de pesquisadores da Universidade de Stanford, também constatou que os estudantes chineses perdem a vantagem em pensamento crítico na faculdade. Esse é um sinal de um problema dentro do sistema universitário chinês em rápida expansão, no qual o governo aposta para promover o crescimento enquanto a economia enfraquece.

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“É impressionante que a China produza estudantes muito mais adiantados no começo da faculdade, mas estão exaustos quando chegam à universidade e não são incentivados a estudar com afinco”

Prashant Loyalka Pesquisador da Unviersidade de Stanford

O estudo, que será publicado oficialmente no próximo ano, atentou que os calouros chineses em ciências da computação e engenharia começam a faculdade com um nível de pensamento crítico de dois a três anos mais avançado do que o de colegas nos EUA e Rússia. Entre essas habilidades estão a capacidade de identificar hipóteses, testá-las e estabelecer relações entre as variáveis.

Os estudantes chineses, porém, não mostraram uma melhora no pensamento crítico depois de dois anos de faculdade, enquanto os colegas russos e norte-americanos acumularam avanços significativos, de acordo com o estudo.

“É impressionante que a China produza estudantes muito mais adiantados no começo da faculdade, mas estão exaustos quando chegam à universidade e não são incentivados a estudar com afinco”, diz Prashant Loyalka, um dos autores do estudo.

As descobertas são preliminares, mas a fraqueza do sistema de ensino superior da China é especialmente supreendente porque os líderes do país estão pressionando as universidades a formar uma nova geração de trabalhadores com alto grau de capacitação e a produzir inovações em ciências e tecnologia que sirvam de antídoto à retração do crescimento econômico.

Ensino ruim na universidade

O governo construiu centenas de universidades nos últimos anos para atender à demanda crescente por ensino superior, considerado por muitas famílias como um caminho para a classe média crescente. No ano passado, as matrículas totalizaram 26,2 milhões de alunos, contra 3,4 milhões em 1998, com boa parte do aumento em cursos politécnicos de três anos.

Muitas universidades, contudo, tomadas pela burocracia e padrões acadêmicos complacentes, encontram dificuldades. Segundo os alunos, o método enérgico e exigente ao qual se acostumaram no ensino fundamental e médio desaparece quando entram na faculdade.

“Os professores não sabem como atrair a atenção dos estudantes. Ouvir suas aulas é como escutar alguém lendo um livro”, diz Wang Chunwei, 22 anos, estudante de Engenharia Elétrica da Universidade Tianjin Chengjian, nos arredores de Pequim.

Outros culpam a falta de motivação entre os alunos. As crianças chinesas passam anos se preparando para o “gaokao”, o todo-poderoso exame nacional que determina o ingresso nas universidades na China. Para muitos estudantes, alguns pontos na prova podem significar a diferença entre uma universidade boa e outra ruim, e uma vida de riqueza ou pobreza.

Quando eles entram na universidade, a pressão desaparece.

“Você recebe o diploma estudando ou não, então por que se dar ao trabalho?”, questiona Wang Qi, 24 anos, que faz pós-graduação em Engenharia Ambiental em Pequim.

Diferenças com outros países

Os méritos do sistema educativo chinês são tema frequente de debate, tanto na China quanto nos Estados Unidos. O governo Obama usou o elevado desempenho dos alunos de ensino médio da China em exames internacionais de matemática, ciências e leitura como exemplo de estagnação nos EUA.

Os críticos argumentam que os professores chineses colocam uma ênfase insalubre na preparação do teste e na decoreba sacrificando o pensamento crítico e a criatividade. Ainda segundo eles, os exames internacionais superestimam a força do sistema educacional chinês porque excluem os alunos de regiões pobres.

O estudo de Stanford, baseado em parte em exames aplicados a 2.700 estudantes em 11 universidades da China continental, também tem suas limitações. Ele não leva em consideração as pessoas que não estão matriculadas nas universidades, uma grande parcela da juventude chinesa. O estudo enfoca unicamente alunos de cursos de computação e engenharia. E, embora meça o pensamento crítico, a pesquisa não aborda a criatividade, tópico que costuma gerar debates acalorados a respeito da educação chinesa.

Ainda assim, os pesquisadores encontraram diferenças marcantes quando compararam estudantes chineses com colegas estrangeiros.

Além de examinar a capacidade de pensamento crítico, o estudo investigou como os alunos chineses se comparavam em matemática e física. Embora o resultado dos EUA ainda não esteja disponível, os pesquisadores constataram que os estudantes chineses chegam à faculdade em um patamar muito superior ao dos colegas russos.

Após dois anos de universidade, todavia, os chineses praticamente não mostravam melhoras, enquanto os russos registravam progresso substancial, ainda que não o bastante para recuperar o terreno perdido.

Sem repetência

Os pesquisadores de Stanford suspeitam que a baixa qualidade de ensino em muitas universidades chinesas é um dos fatores mais importantes nos resultados. Elas costumam recompensar os professores por conquistas em pesquisa, não por suas habilidades lecionando. Além disso, quase todos os alunos se formam em quatro anos, segundo as estatísticas oficiais, reduzindo o incentivo à maior dedicação.

“Eles não repetem ninguém. O contrato estabelece que, se você entrar, vai sair com o diploma”, afirma Scott Rozelle, economista que estuda a educação chinesa há três décadas e é um dos autores do estudo.

Dilemas para o futuro

Os problemas que assolam o sistema de ensino superior assumiram uma nova urgência agora que o Partido Comunista tenta efetuar uma transição difícil de economia estimulada pelo setor industrial e trabalho em linha de montagem para uma liderada pelo crescimento em áreas como informática e energia renovável.

Eric X. Li, investidor de risco de Xangai que ajudou a financiar o estudo de Stanford, diz que o sucesso das escolas chinesas de ensino médio em ensinar o pensamento crítico poderia significar maior inovação entre chineses mais jovens, o que poderia ajudar a economia.

“Costuma-se dizer que o sistema educacional chinês mata a criatividade e a inovação, mas a China deve ser uma das sociedades mais empreendedoras do mundo”, ele avalia.

A economia em retração dificulta que os universitários encontrem emprego, com quase um quinto deles permanecendo desempregados imediatamente após a formatura e muitos aceitando cargos de remuneração menor.

Lu Jiawei, 22 anos, estudante de Engenharia da Universidade de Tecnologia e Ciência da Informação de Pequim, afirma que o mercado de trabalho sombrio é o culpado pela falta de motivação entre os alunos.

“Alguns estudantes simplesmente desistem porque, por mais que se esforcem, nunca conquistarão o emprego dos sonhos”, diz ela.

Os defeitos do sistema de ensino superior deixaram os estudantes batalhando para achar cursos que combinem com suas aspirações.

Niu Fuzhi, aluna de Ciências da Computação da Universidade de Comércio de Harbin, tinha altas expectativas quando se matriculou em 2014, mas logo se decepcionou. Os professores se concentraram em ensinar teorias de nível elevado e as salas de aula eram caóticas.

“Acho que os últimos dois anos foram jogados fora”, conta Niu, 20 anos, que está entre os melhores de sua turma.

Niu espera compensar as habilidades que não conseguiu aprender na faculdade fazendo pós-graduação.

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