A professora Maria Dinorá de Moura (em pé), aos 78 anos, em uma aula de alfabetização para jovens e adultos.| Foto: Arquivo pessoal

Em plena atividade aos 78 anos, o dia a dia da professora Maria Dinorá de Moura é intenso. Gaúcha de Santo Augusto, município situado na região noroeste do Rio Grande do Sul, a pedagoga é uma incansável profissional que alfabetiza uma centena de adultos todos os anos.

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E não é só isso.

Na sua agenda cabem ainda as reuniões com membros municipais do Conselho da Saúde (do qual é vice-presidente), do Conselho de Ensino (deixou recentemente a presidência) e do Conselho do Idoso (o qual preside), além de muitos contatos, por telefone ou Whatsapp, por meio dos quais são tratados temas diversos como, por exemplo, um parecer sobre a eleição de nova diretoria do Conselho Tutelar, bem como questões de ordem prática ligadas aos muitos projetos aos quais ela se insere.

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Formada em Pedagogia com especialização em Orientação Educacional pela Unijui (RS), com pós-graduação em Neuropsicologia e especialização em Gerontologia, além de vários cursos relacionados com a Educação Especial e Gestão Escolar, às portas dos 80 anos ela não quer parar e nem sonha deixar as atividades. Analista educacional de um dos núcleos do Projeto Alfa, mantido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Dinorá é na região um dos pilares da iniciativa.

“Minha família me aconselha, os filhos me pedem para parar, mas não tem como. Faço o que gosto e aquilo que precisa ser feito para que a alfabetização chegue aos adultos”, afirma com segurança a pedagoga que conta 50 anos de vida dedicados ao ensino.

Alunos com mais de 50 anos

A maioria dos alunos passa de 50 anos de idade, conta ela, lembrando que são aqueles que não tiveram a oportunidade de serem alfabetizados na época certa. “E buscam com muita sede esse direito e essa possibilidade de ter a liberdade que o cidadão alfabetizado possui de realizar as ações mais essenciais da vida em sociedade”.

As turmas do Projeto Alfa, que tem como lema Alfabetizar para profissionalizar, têm de 12 a 20 alunos, com educadoras vindas da área da Educação. “Elas recebem treinamento durante a semana que antecede o programa e vão conhecer, de fato, as necessidades do alunado em sala de aula”. Dinorá participa diretamente na formação das educadoras, transmitindo a elas sua experiência, com a sensibilidade de quem capta as muitas necessidades dos adultos participantes do projeto.

“O adulto analfabeto chega até nós muito tímido, muitas vezes com vergonha da sua condição. Há alunos gagos, com dificuldades grandes para se expressarem. Alguns já estão com visão ou audição reduzidas e têm o encaminhamento para melhorar essa condição”, comenta, acrescentando que a evolução de todos, “com o envolvimento dedicado das educadoras”, é notável.

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Como a maioria do grupo são agricultores, os resultados se apresentam no trabalho do dia a dia do campo. “O trabalhador da terra fica feliz quando consegue decifrar as especificações do rótulo de um produto, pois isso vai refletir no resultado da sua plantação”, recorda Dinorá, tão empolgada quanto os próprios alunos do projeto. “Eles passam a ler as placas de ônibus, de ruas e estradas. Vão ao banco fazer as transações mais simples sem complicação. Fazem compras nas lojas e no mercado cientes dos preços e dos descontos. Vão com segurança e fazem questão de dar esse feedback para nós. É emocionante ver o aluno de 70 anos tendo contato com o material escolar pela primeira vez na vida e acompanhar o resultado do seu esforço e do seu envolvimento ao final do curso. É uma proposta muito linda!”

A pedagoga está envolvida com o programa oferecido pelo Senar há 20 anos, ou seja, desde a criação dele. O curso é gratuito e os recursos vêm da própria instituição. Em todo o Rio Grande do Sul, anualmente passam mais de mil adultos pelo projeto de alfabetização rural. A região noroeste do Estado, que é a de número oito, à qual Maria Dinorá de Moura está inscrita, conta hoje com 11 turmas e igual número de educadoras, somando 195 adultos no total. “O educador controla a frequência dos alunos e também os avalia, caso sejam analfabetos, semianalfabetos ou pré-alfabetizados”.

O programa do Projeto Alfa é composto por três módulos sequenciais, com três aulas semanais, podendo ser escolhido entre os períodos da manhã, tarde e noite. O primeiro módulo tem 72 horas/aula (24 dias letivos, iniciado em 21 de abril); o segundo tem 63 horas/aula (21 dias letivos, iniciado em 9 de agosto) e o terceiro tem 69 horas/aula (23 dias letivos, indo até 27 de setembro). “O último módulo recebe o título de Trabalho e Cidadania, com conteúdo voltado para os direitos em sociedade, focado no ‘eu e o nosso’ na vida da comunidade, o que inclui o exercício do voto e o manejo correto da urna eletrônica, por exemplo”.

As estatísticas do Projeto Alfa mostram que 65% dos alunos avançam muito em conhecimento. “O aluno pode participar do programa até três vezes, considerando que o projeto permanece na mesma comunidade até três anos. É importante lembrar que enquanto uma criança em idade escolar faz avanços significativos num período de meses, o adulto com toda a bagagem de vida e com as naturais limitações de visão e audição avança menos, mas avança”.

Outras experiências

Maria Dinorá de Moura tem outras histórias de desafios para contar. “Trabalhei também em um Centro Integrado de Ensino Profissionalizante – CIEP com a missão de lecionar artes, história e religião a adolescentes rebeldes”, recorda com bom humor, lembrando que o primeiro passo foi conquistar a empatia com a turma. “Saíamos pelos jardins da escola, reconhecendo o terreno e as plantas que havia. A volta para dentro da sala de aula era o momento de expressar, por meio do desenho, do origami e da pintura, aquilo que havia no entorno. A confiança cresceu e os resultados sempre foram os melhores”, lembra.

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A pedagoga também esteve envolvida com a criação, em 1º de agosto de 1987, da unidade da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – Apae em Santo Augusto. “Eu me lembro que havia mães que escondiam seus filhos portadores de deficiência. Mas num trabalho conjunto com o Lions Club, do qual meu esposo Dirceu era presidente, pudemos chegar a esse público”.

A busca da excelência do Projeto Alfa se traduz no esforço constante de melhora. “Para isso, fazemos reuniões periódicas em Porto Alegre, ouvindo a experiência de outros analistas que desenvolvem o trabalho no território gaúcho”. Dinorá frisa que, desde o início, o programa é dinâmico e está em constante avaliação e evolução. Quando foi criado o projeto piloto, em 1988/89, o estado já contava com o programa de Educação de Jovens e Adultos – EJA, “com metodologia diferente da aplicada por meio do Alfa”, assinala. Sobre o projeto do Senar, Dinorá assegura que “se tornou uma referência no País, ao mesmo tempo que sabemos que há sempre algo de novo, em nome da eficiência, a se acrescentar”.