A mudança de última hora na regra que permitiria zerar redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de candidato que desrespeitar direitos humanos causou confusão para os estudantes que estão chegando neste domingo (5) para prestar a prova em busca de uma vaga em um curso superior.
Mas, mesmo que uma decisão da ministra Cármen Lúcia garanta que nenhuma redação seja zerada por esse critério, sob risco de contaminar a liberdade de expressão, os candidatos pretendem não se arriscar.
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É o que diz o estudante paulistano Igor Bueno, 16, que tenta uma vaga para cursar direito. “Muita gente começou a criar e espalhar boatos sobre a redação, que iria mudar de novo. Mas para mim não muda nada, porque eu não pretendo escrever contra os direitos humanos”, afirma.
O mesmo pensa Rafaela Fiengo, 17, que sonha em estudar biologia. “Não muda nada, até porque eu acredito em respeito aos direitos humanos”, diz ela, que chegou às 11h ao local de prova, na Uninove da Barra Funda, zona oeste de São Paulo, para não correr o risco de se atrasar “e virar meme na internet”. “Se eu chegar atrasada eu nem chego perto do portão, dou meia volta”, afirma, enquanto ri “por fora”, em suas palavras, “mas por dentro chora, porque a prova é difícil, desesperadora”.
Como Rafaela, uma multidão chegou cedo para esperar a abertura dos portões, que aconteceu às 12h. Bom para ambulantes que vendem água e comida no local. Os portões se fecham pontualmente às 13h.
Joana Noya, 16, já foi aprovada para estudar moda na Faap, mas vai tentar o Enem mesmo assim, “para testar meus conhecimentos”. O amigo Gustavo Bruno, 17, diz o mesmo. Ele vai tentar direito em faculdades particulares que não precisam da nota do Enem, mas acha a prova uma boa oportunidade de exercitar o que aprendeu ao longo do último ano.
Para Luiza Barros, 17, o Enem é difícil por ser “muito interpretativo”. “Prefiro mil vezes fazer uma prova da Unicamp, da Fuvest, que são mais diretas”, diz ela, que fez uma série de simulados para se preparar.
Sob uma árvore para se esconderem da chuva que caía no começo da tarde deste domingo, as professoras e mães Maria de Fátima Simões, 59, e Denise Massa, 49, observavam seus filhos entrando no local de prova, apreensivas e esperançosas.
“Já estou há três anos nessa, minha filha, a Bruna, quer medicina. Fomos ao Paraná, onde ela tentou outro vestibular, e agora vai tentar o Enem. Mas sinto que agora vai”, diz Denise.
Maria de Fátima se diz “emocionada de ver uma multidão de jovens tentando entrar em universidades públicas”, mas fica “pensando no depois, na quantidade de emprego que falta nesse país.” Seu filho ainda não bateu o martelo sobre o que vai estudar. Por enquanto, quer astronomia. Diferentemente de outros vestibulares, os estudantes escolher curso e universidade só depois que têm em mãos as notas do Enem.
Curitiba
Os amigos João Raffs, 18, e Gabriela Ottman, 17, fazem o Enem pela primeira vez “para valer” em Curitiba , mas já são experientes na prova, que fizeram três vezes como treineiros. Eles chegaram cedo e tem uma expectativa boa para a prova. “É uma prova boa de fazer, não é só conteúdo”. Para eles, a decisão sobre não zerar redação por desrespeito aos direitos humanos não vai fazer diferença. “Acho que quem desrespeita os direitos humanos não tem como tirar uma nota boa. Pode até não zerar, mas a nota vai ser baixa”, opina Gabriela.
Os alunos farão neste domingo prova de ciências humanas, linguagens e redação. Os portões serão fechados às 13h do horário de Brasília. A prova começa às 13h30. Domingo que vem (12), serão aplicadas provas de matemática e ciências da natureza (que abrange conteúdos como biologia, física e química), e terão 4h30 para fazer o exame.
Além da redação, cada prova tem 45 questões. A média é de 3 minutos para resolver cada uma delas.
A prova será realizada, neste ano, em 1.725 municípios. Ao todo, são 12.432 locais de aplicação.
Redação
Por determinação judicial, redações que contiverem trechos com desrespeito aos direitos humanos agora não podem mais receber mais nota zero.
A decisão é da ministra Cármen Lúcia, que entendeu que proibir o desrespeito aos direitos humanos, como prevê o edital da prova, implicaria limitar a liberdade de expressão. “Não se combate a intolerância social com maior intolerância estatal”, escreveu, na decisão.
No final de outubro, a Justiça Federal determinou a suspensão da regra do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) que dá nota zero, sem direito à correção de seu conteúdo, para a prova de redação que seja considerada desrespeitosa aos direitos humanos. A decisão foi tomada em caráter de urgência a pedido da Associação Escola Sem Partido, tendo em vista a proximidade da realização das provas.
Em julgamento, a 5ª turma do TRF-1 (Tribunal Federal da 1ª Região) acolheu o pedido da Associação Escola Sem Partido por 2 votos a 1.
Na ação, a Associação Escola Sem Partido sustenta que “nenhum dos candidatos deveria ser punido ou beneficiado por possuir ou expressar sua opinião” e que não existe um referencial objetivo sobre os parâmetros adotados, “impondo-se aos candidatos, em verdade, respeito ao ‘politicamente correto’“.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu na sexta-feira (3), que o STF suspendesse a decisão liminar do TRF-1.
Dodge argumentou que a medida do TRF1 viola a segurança jurídica e que sua suspensão evitaria “grave lesão à ordem pública” e “o desnecessário tumulto na preparação dos candidatos”.
O pedido foi protocolado no mesmo dia que o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão do MEC (Ministério da Educação), apresentou um recurso com o mesmo objetivo ao STF, em caráter de urgência, já que a prova de redação do exame será aplicada a mais de 6 milhões de candidatos neste domingo.
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